Blue Velvet

segunda-feira, novembro 15, 2004

Anormais

A falta de criatividade das pessoas, a falta de visão para além do óbvio, os curtos horizontes, são tudo carências que diminuem a capacidade do Homem se adaptar, de se reinventar, de conseguir algo seu. A forma como a sociedade vai sendo dirigida, onde palavras como normalização, standard, ou modelo, são usadas constantemente desde o futebol à política ou da medicina à engenharia, vão ajudando a limitar a capacidade do Homem questionar, pensar, ou ter iniciativa. Por outro lado o tipo de vida sedentário, expectante, fatalista e morcão que o Homem leva, prostrando-se em frente a algo que o distraia do que realmente interessa, babando-se em frente a imagens em movimento em cores garridas e que a maior parte das vezes não sabe dizer o que é, complementa tristemente o cenário, fazendo com que uma ameaça a este equilíbrio podre e ridículo seja repelido instantaneamente, como o espelho repele as formas. Sem pensar. A normalização e a standardização são excelentes para a gestão, para as leis, para obviar conflitos intra empresas, intra nações, para facilitar a vida a uma infinidade de actividades. A normalização é escabrosa e grotesca quando ultrapassa a fronteira dos processos e dos instrumentos e atinge o Homem. O Homem quer-se livre, único, criativo, impulsivo, sentimental.
Tudo isto a propósito de algo que me aconteceu estes dias. Instado por um amigo a participar num campeonato de futebol online entre amigos, inscrevi-me no site por ele referenciado. Com toda a boa vontade introduzi todos os meus dados correctamente e esperei pela confirmação do registo na minha caixa de email. É então que recebo o tal email, dois dias depois. Começou com um terno e respeitoso “Caro João Dário, …”. Eu achei “demoram dois dias e ainda se enganam no nome. Ou no utilizador!”. Mas mais à frente vem a revelação. O meu nome é maldito. Foi ditado ao escárnio e à vandalização. Eis que os zelosos senhores, guardiães da normalidade e agressores da originalidade alheia, decidiram o seguinte: “Devido ao facto do nome «**** *****» não parecer ser verdadeiro, fizemos uma alteração do mesmo. Caso queira alterar, deve fazer um pedido por email de alteração, indicando os seus nomes verdadeiros!”. A minha primeira reacção foi a sonora gargalhada, seguida da perplexidade, e só então veio a justificada fúria. Para estes puritanos senhores, o meu nome não parece verdadeiro. Mas por acaso o nome que eles acham que eu deveria ostentar não é o meu, logo para o caso, aquele nome não é verdadeiro, é um impostor. Como é lógico, escrevi para os senhores provedores da nomenclatura pessoal, mostrando-me perplexo e ofendido, e exigindo a reposição do nome que eu tinha introduzido. Aparece então a desculpa, e a justificação com base na normalidade dos nomes e no carácter único que o meu apresentava. Isso é mau? Ser único é mau? Dizem eles que: “O seu nome é unico no sistema. Conforme descrito no processo de registo, não são permitidos nicknames, diminutivos, abreviaturas ou alcunhas e toda a sua informação deve ser credivel.” O meu nome não é credível porquê? Porque a ignorância iluminada de suas excelências nunca dele ouviu falar? Eu também nunca ouvi falar do deles, até porque o ilustre censor nunca se apresentou pelo nome. Anda a criticar o nome dos outros e faltam-lhe os pelos na venta para ostentar o dele? Pedem também desculpas, e pedem compreensão. Sim, porque eles não podiam deixar o meu nome a vaguear por ali sem ninguém a responsabilizar-se por ele.
Já algumas vezes pessoas me perguntaram se o nome estava bem escrito, ou se era com um “ç” ou com “ss” ou com apóstrofe. Mudá-lo sem meu conhecimento acho que é a primeira vez, principalmente dando-me outro nome completamente diferente e manifestamente impondo-me esse nome. É um episódio ridículo, e na realidade de uma importância relativa, embora me tivesse irritado profundamente. Mas o que está na sua base já é mais grave. A estupidez, a falta de respeito pelo outro, o culto do alinhamento e da normalização forçada do ser humano à luz da designada “normalidade”. Eu não alinho nisso…