Os Bandeirantes
Ser ou não ser, eis a questão! Como dizia o outro… Ou então: pôr ou não pôr. Pôr ou não pôr uma bandeira Portuguesa pendurada na janela? Ora bem, eu não ponho. Não me irrita quem põe, se bem que alguns comentários ou algumas atitudes me façam alguma comichão no sistema nervoso.
Hoje em dia parece que ou estamos ou não estamos. Ou estamos com Portugal ou não estamos com Portugal. Ou pomos ou não pomos a bandeira. Ou vemos os jogos e gritamos sempre cantares de incentivo ou então não vemos os jogos e criticamos a selecção como um cão sarnento. Este extremar de posições é um pouco idiota, principalmente para um dos países em que os cidadãos menos se identificam com a entidade abstracta chamada pátria. Faz lembrar o outro: “Se não estão connosco estão com os terroristas”. O mister, que só veio cá ver a bola, lançou o repto patriótico. O povo aderiu e fez dos chineses um povo feliz, tal foi a impressão de bandeiras ilegais. Um tipo que se diz patriota e usa uma bandeira com pagodes chineses e canta “Dos teus herejos avós” em vez do erudito “egrégios”, não só me dá vontade de rir como me dá uma imensa pena. Eu sou um grande apaixonado pelo futebol, mas tenho o discernimento de distinguir um jogo de bola de uma batalha, de não confundir o Figo com o D. Afonso Henriques. Estas pessoas que consideram que quem critica a Selecção não é Português não estará com certeza a oxigenar o cérebro nas proporções devidas. Ser um apaixonado acrítico é, acima de tudo, um mau serviço a Portugal. Eu, exactamente por gostar de Portugal, crítico aquilo que julgo estar mal, tanto no futebol como em tudo o resto. Faço-o por amor, por julgar sempre que podemos ser melhores. Estas guerras patrióticas contra os críticos hereges (ou será herejos?) que se travam nos jornais é absurda, ridícula e perigosa.
Vi agora que o último defensor de um patriotismo incondicional foi o cada vez mais estapafúrdio Manuel Alegre. Como é que um homem que é de esquerda se deixou levar para os caminhos do populismo e do patriotismo rafeiro tão mais ao gosto de uma extrema-direita? Como é que um homem que se destacou exactamente pelo seu espírito crítico, pela sua luta por um Portugal diferente, pela sua crítica e intervenção, vem agora reclamar um estado vegetativo acrítico no que à Selecção Nacional diz respeito? E pior! Considerar um crítico um não Português!
É claro que daqui por um mês, qualquer que seja o resultado de Portugal no Mundial, toda a gente volta a usar expressões como “Isto só mesmo em Portugal” ou o depreciativo “É mesmo à Português”. Daqui por um mês já toda a gente volta a pensar em maneiras de fugir aos impostos, de arranjar baixas fraudulentas ou de safar multar, e volta-se à improdutividade voluntária, ao gasto inconsequente, ao despesismo, ao desrespeito das mais básicas leis cívicas ou ao simples ignorar do código da estrada. Onde está o patriotismo agora? Ou talvez, para um patriota das bandeiras, fugir aos impostos de bandeira às costas é um acto patriótico. Quem sabe… Pelo que tenho ouvido já nada me espanta.
Eu, cá por mim, continuarei a ter a minha forma de defender o meu país. Como um pai que ama um filho. Amá-lo e ajudá-lo a crescer, nem que para isso tenho que o castigar ou assumir uma posição mais dura. Ou então terei um filho mimado e mal criado. Penso que já fiz mais pelo meu país que muitos bandeirantes de ocasião. E sem vestir verde e vermelho. Sempre que vivi lá fora, sempre que viajei, levei um pouco do meu país. Dos costumes, da história, dos sabores, dos sons. Tive uma postura recta e coerente e esforcei-me por deixar uma imagem digna de mim e do meu país. Sem fanatismos, sem bandeira. Com atitudes, com palavras, com bom senso e com muito amor. Não fiz nada de mais. Muitos fizeram o mesmo, e muitos outros fizeram melhor. Mas fiz o que soube e o que pude. Agora, abandonar uma bandeira durante um mês numa varanda, ou sorrir aos passos em falso do meu país, quer seja em futebol quer seja noutra coisa qualquer, nunca será a minha maneira de amar o meu país. Respeito quem tem uma bandeira mas, por favor, não me chateiem!