Ao que isto chega!
Há uns tempos, estacionava eu o carro perto da Ribeira para ir beber uns copos, quando lá aparece o inevitável arrumador. Como de costume fiz que não o vi, estacionei com a perícia possível e saí do carro. Com o seu corpo trémulo mas um tom de voz confiante e convincente, este moço desgraçado pede-me uns «trocos para comprar umas “Belgas”». Para quem não sabe, as “Belgas” não são senhoras naturais desse país europeu que separa a França da Alemanha não vão estes pegar-se, mas sim umas bolachas grandes redondas com uma grelha marcada na face como se tivessem arrefecido numa tampa de saneamento. Há as normais e as cobertas de chocolate, e nem são más de todo. Como é lógico desmanchei-me a rir na cara do arrumador. É preciso ter lata, um tipo que transpira psicotrópicos e alucinogénicos pelos poros e nitidamente em fim de ciclo estupefaciente, vir-me pedir dinheiro para bolachas! Ri-me, simpatizei com o sentido de humor do homem, meti a mão ao bolso e disse qualquer coisa como “Só pela criatividade e pelo sentido de humor vou dar-te dinheiro. Tu mereces por este momento!”. E lá lhe dei uns trocos. Fui á minha vida, que é como quem diz, matar uns finos numa esplanada da ribeira, e nem me lembrei mais do monstro das bolachas. Passada uma ou duas horas volto para o carro e vejo o arrumador em plena labuta do outro lado da rua. Lá vê um carro do meu lado, corre na sua direcção com algo na mão, e começa na sua mecânica actividade que compreende o abanar do braço numa direcção plausível para o caso e o dizer “venha” repetidamente. Quando passo por ele senti-me traído. O desgraçado comia alegremente bolachas, “Belgas” por sinal. O pacote na sua mão não enganava. Só pelo meu erro de julgamento apeteceu-me dar-lhe mais dinheiro, agora sim para droga! Ele merecia-o! Bem, provavelmente sobrou-lhe dinheiro da dose e ele comprou umas “Belgas” que lhe fazem lembrar as matinés a ver a Galáctica na casa da avó e a beber chá com as malditas bolachas! O que quer que fosse, o homem tinha dito a verdade. É um ultraje. Já não se pode duvidar de um arrumador que ele espeta-nos com uma verdade nua e crua. E estaladiça já agora. É verdade que as bolachas conseguem ser viciantes. Mastiga-se, mastiga-se, mastiga-se, mastiga-se, e não se consegue parar. Mas daí a arrumar carros! E não está designado que a profissão de arrumador é só para quem se droga? Acho ilícito usar os lucros da actividade para outros fins. Agora que andam a legalizar (ideia peregrina!) esta actividade deviam definir bem essas coisas. Enfim … que choque … que mundo é este em que vivemos hoje?