Considerações sobre os EUA
Ando desaparecido, e vocês já mal se devem lembrar de um post meu. É difícil manter-me em contacto com a (ir)realidade nacional, e poder tecer as minhas habituais observações sarcásticas e irónicas. Poderia porventura tecer essas observações sobre este povo mentecapto que me acolhe, mas isso seria como que bater no ceguinho. Faz parte do manual do novo anarquista, do rebelde antiglobalização, ou do intelectual de esquerda, dizer mal dos Estados Unidos, apesar da maior parte deles não conhecer propriamente a sua realidade. O que se passa é que muitos dos estereótipos que todos usam para dizer mal deste país até estão correctos, no entanto ninguém fala em geral do porquê das coisas serem assim. Vou tentar esclarecer alguns pontos:
1 - Os americanos são ignorantes.
Blue Velvet - São sim senhor! Definitivamente os americanos são bastante ignorantes no geral. A maior parte nunca saiu do país, embora devamos ser justos ao dizer que o país deles vai de Portugal à Rússia profunda, ocupando uma área gigantesca. No entanto, e tendo em conta que a minha amostragem é a Califórnia, um dos locais mais ricos e priveligiados dos EUA, devo dizer que a ignorância é preocupante.
Mas apontemos ao que, a meu ver, serão as causas desta ignorância. Os média nos EUA, e principalmente a televisão que é a fonte maior de informação deste povo preguiçoso, são de uma superficialidade gritante, assim como se fosse a Margarida Rebelo Pinto a escolher as notícias. Notícias da Europa? Nem vê-las... Conflito Israelo-Palestiniano? Eu até acho que já acabou... China? Japão? Nada ... As notícias que aqui temos são uma espécie dos piores 5 minutos que conseguirem retirar de um Jornal Nacional da TVI. O míudo que ficou preso no elevador, o cão que foi picado por um porco espinho, e por aí fora. Temos tido notícias dos atentados em Londres, e o seu desenvolvimento, mas talvez porque é incontornável, e o terrorismo é um tema caro ao país e serve a propaganda anti terrorista americana.
Depois, eu acho que o tipo de educação que se dá nos EUA leva o seu povo a não questionar, a aceitar passivamente as situações. É muito difícil conseguir-se uma boa discussão nos EUA. Se eu começo a levantar problemas, sou tratado com condescendência, uma atitude que me irrita ainda mais. Eles são ensinados a não porem problemas. Não faço ideia dos métodos de ensino por aqui, mas por favor ninguém se lembre de os levar para Portugal. Viva o espírito crítico.
No entanto, será sempre difícil ter um espírito crítico perante situações de que não têm conhecimento, e é isso que se passa aqui. A desinformação, ou a ocultação de informação, são fenómenos de larga escala neste país. Aqui, para se ter acesso a notícias sérias e globais é preciso procurar, e não faz muito parte do espírito da maioria dos americanos. É bem mais fácil domar um país do tamanho de um continente desinformado e sem espírito crítico. Principalmente se esse país não se der conta que está a ser enganado.
2 - Todos?
Blue Velvet - Não! Aqui na Califórnia as pessoas são interessadas, e demonstram um elevado espírito crítico em relação ao seu país. Embora alguns me pareçam verdadeiros, por vezes tenho a sensação que algum desse espírito crítico é para Europeu ver. No entanto demonstra noção da imagem que eles têm na Europa, e demonstra até um certo desconforto por isso. Nota-se muitas vezes um esforço de aproximação. E isso é positivo. Várias pessoas me perguntam o que nós Portugueses e Europeus achamos deles, e sublinham muitas vezes a sua ignorância em relação à Europa. Ou seja, aqui na Califórnia há muito ignorante consciente, o que já não é mau. E para dar uma perspectiva mais positiva, o outro dia apanhei um taxista que me falou dos descobrimentos Portugueses, comparaou-os com os Espanhóis, falou dos nossos feitos e não hesitou em vangloriar o nosso povo, assim como falou de forma muito sensata sobre geopolítica mundial e sobre o papel do seu país no mundo. Uma boa surpresa a bordo de um Yellow Cab.
3 - Os Americanos são arrogantes em relação aos Europeus.
Blue Velvet - Não, de forma alguma. Até bem pelo contrário. O que tenho notado é uma certa subalternização ao povo Europeu. Um sentimento de inferioridade que por vezes até me incomoda. Começam logo a desculpar-se pelo seu governo, a falarem da Europa com admiração e respeito, e a realçarem a sua ignorância quanto à Europa e o quanto gostariam de saber mais, viajar mais. Mais ainda, as pessoas aqui são extremamente acolhedoras e prestáveis, numa simpatia que ultrapassa o razoável por vezes, e que me chegou a irritar profundamente, porque eu como bom nortenho não gosto de ser simpático com quem não me é agradável. No entanto fui-me habituando a ter um sorriso razoável estampado no rosto um grande número de horas por dia, e agora já nem me ralo.
Concluindo esta pequena observação sobre os Americanos, posso dizer que penso que, embora muito do que se diz na Europa sobre os Americanos esteja correcto, os fundamentos em que assenta nem sempre são verdadeiros. Para não cometermos o mesmo erro que apontamos aos EUA, deveriamos esforçar-nos talvez por perceber melhor com que linhas se cozem as pessoas daqui. No outro dia fui a uma palestra sobre o Médio Oriente onde figuravam inúmeros estudantes bolseiros da Fulbright de vários países, e onde pudemos ouvir uma americana, Ann Kerr, com um enorme historial por países como o Líbano, a Síria, Egipto ou Turquia, a falar sobre Médio Oriente à 30 anos atrás, e fazer uma leitura do desenvolver das tensões na região, em paralelo com a sua vida que se desenrolou naquelas paragens. Entre alguns episódios posso destacar o assassinato do seu marido no Líbano em 84, o reitor da Universidade Americana de Beirute. Um apaixonada pelo Médio Oriente e pelas suas gentes, falou amargurada do desenrolar da situação, e no fim entabulou-se uma animada discussão entre todos, em que quem ficou com as orelhas a arder foi o governo norte americano. Uma das grandes conclusões que se tirou na discussão, e que eu retiro da minha experiência aqui, é que há uma grande distância entre os actos da administração norte americana e a grande mairoria do seu povo. Se não invalida que não os estejamos para aturar, deve pelo menos fazer com que da próxima vez que se cruzarem com um americano (que não faça parte do governo) lhe dêem o benefício da dúvida.