No U Turn ?
Há dois motivos que me fazem cada vez mais pensar em continuar a minha carreira fora de Portugal. A primeira, e a que menos interessa para o propósito deste texto, é o bichinho que nos fica, não a todos, mas a grande parte, aqueles disponíveis mentalmente para abraçar outras culturas e conhecer outros locais, a semente que plantamos dentro de nós e que lança raízes que se espalham pelo mundo. Na era da globalização, a nossa casa é a Europa, o Mundo. E é esse o nosso espaço. Para progredirmos, para compreendermos o mundo, os povos, e a partir daí, as empresas, as organizações, as culturas, os hábitos, temos que nos globalizar a nós também. Conhecer os outros, interagir, comunicar, dar e receber. Se nos mantivermos fechados no nosso rectângulo cada vez menos verde do sudoeste da Europa, vamos manter-nos longe do mundo, isolados, tristemente sós. Quando olho para a empresa em que trabalhei anteriormente em Portugal, e vejo que nenhum dos seus directores e quase nenhum colaborador sabia falar outra língua que não o Português, e que as suas experiências extra muros se reduziam a uma qualquer excursão aérea a uma praia brasileira, percebo a pequenez das suas cabeças, o seu espírito mesquinho e pequenino. E isso leva-me à segunda razão de perspectivar a minha carreira fora de Portugal. Se quando trabalhava nessa empresa de espírito pequeno e guiada pela eterna ignorância já pensava “tenho que sair daqui o mais rápido possível”, agora que experimentei um outro nível de trabalho como posso eu aguentar a estupidez, a falta de profissionalismo, o conluio, a exploração e a tacanhice de pensamento? Não que eu seja mais que os outros por ter trabalhado fora de Portugal, nem que todas as empresas sejam assim. Mas todos sabemos que não é à toa que Portugal está como está. Foi preciso muita gente empenhada em ser estúpida para chegarmos onde estamos. Sucessivos governos desleixados, sem vontade de mudar, de governar na verdadeira acessão da palavra, a que concerne à acção associada e não à poltrona de S. Bento. Empresários sem noção de empresa, sem espírito de aventura e de iniciativa, sem ambição de independência e de progressão, eternamente dependentes do estado e de todas as migalhas disponíveis. Gente pequena, sem respeito pelo próximo ou pelo país em que vive. Eu não me revejo nesta atitude. Quero mais para mim, e a para o meu país que apesar de me afugentar eu tanto gosto. Gostava de ajudar a mudar. Mas isto é como os tóxico-dependentes. Só podem ser ajudados se estiverem na disposição de mudar. Como posso eu ajudar a mudar alguma coisa, se quem manda quer que tudo continue exactamente na mesma, e se por vezes nem sequer reconhece que é preciso mudar? Será razoável que o estado português pague bolsas para estágios e doutoramentos no estrangeiro, e depois não faça um esforço por recuperar esse investimento, que não crie condições para que esses portugueses ultra qualificados possam desenvolver o seu trabalho em Portugal? A grande maioria dos portugueses que vão tirar doutoramentos para fora de Portugal acaba por ficar lá a desenvolver o seu trabalho. Será razoável também que o tecido industrial não absorva estes portugueses qualificados, continue a explorar recém licenciados e o Estado com os estágios profissionais, e nem sequer aposte na qualificação dos seus profissionais? Hoje perguntaram-me aqui se pensava continuar a trabalhar nesta área em que me encontro a trabalhar quando voltasse. Sorri e expliquei que não há em Portugal uma empresa que faça o que esta faz. Que haverá um mercado possível mas muito pequeno noutras áreas para onde posso capitalizar esta minha experiência, mas que se quiser mesmo continuar a trabalhar nisto tenho mesmo que voltar a sair de Portugal, talvez para o Norte da Europa. Ou para os EUA outra vez disse-me ele. Bem… mas a realização profissional não justifica tudo, e a qualidade de vida faz-se do equilíbrio entre diversas vertentes da nossa vida que não podem ser descompensadas. Por isso essa hipótese está posta de lado. Mas a minha inquietação não é ter que sair de Portugal por mais uns tempos, até poder voltar com experiência suficiente para poder lutar contra a estagnação. É ver as pessoas com pouca vontade de evoluir, de lutar por uma vida melhor, pelo seu próprio sucesso, em vez de esperarem eternamente que os governos resolvam os seus problemas. O Estado tem muitos defeitos, mas não pode ser responsável pela felicidade de 10.000.000 de pessoas. Quem quer que as coisas mudem, que comece a partir pedra e a lutar contra a vulgaridade vigente. Que arregace as mangas e trabalhe com força e vontade. Que sonhe alto, e pense como tornar o sonho realidade. Que aprenda com os melhores, e não tenha o medo tacanho de abrir as portas aos mercados e empresas estrangeiras. Que aprenda a organizar-se juntamente com os seus pares, não para pedir ajudas do Estado, mas para financiar a inovação do sector. Portugal é um país pequeno, e apenas unido conseguirá voar alto. O sector do vinho é um sector que me atrai, e no qual gostaria de trabalhar no futuro. Ao olhar para os nossos vinhos vejo os melhores vinhos que já bebi. Mas também vejo produção semi artesanal em grande parte das explorações, pouca tecnologia, produção escassa para a procura, fraquíssima exploração do marketing do vinho nacional, e quase nenhuma penetração nos mercados externos. Exceptuo, claro, honrosas excepções de quem soube abrir o seu próprio caminho. De quem é a culpa? Do governo? Como é possível que não haja um forte e desenvolvido instituto de investigação relacionado só com o vinho, um dos nossos produtos mais fortes e com maior valor comercial em potência? Um instituto que acolha por exemplo os tais doutorados, e que desenvolva os processos de produção, de enriquecimento do vinho, que torne os processos mais eficazes e mais baratos. Um instituto privado, das empresas, e para as empresas, com projectos comuns de que todos beneficiem, e projectos específicos encomendados por empresas individualmente Quem tem que fazer isto? O governo? Não serão as empresas interessadas que deverão mover esforços nesse sentido? A investigação é muito cara para empresas da dimensão das portuguesas. Porque não estas se associarem nesta iniciativa, e não digo que não com um patrocínio do Estado, minoritário e quase simbólico. Mas a iniciativa teria que partir das empresas. Se muito empresários sonhassem como é feito o vinho aqui na Califórnia, como os processos são controlados ao mais ínfimo pormenor, sentiam-se verdadeiros artesãos em vias de extinção. Se visitassem a Universidade de Davies no Napa Valley, a zona de eleição do vinho da Califórnia, ficavam boquiabertos de espanto. Mas em vez disso contentam-se com aquilo que têm, nem se importando com o crescimento do mercado do vinho em países como os EUA ou a Austrália, minas a explorar pelas empresas. Acho que perdi o norte desta minha intervenção, e me alonguei na extensão e no conteúdo. Mas não retiro uma vírgula a aquilo que disse. Deixo só o link para o editorial do Público de ontem, onde se fala dos modelos sociais, e das diferenças entre os países do norte e do sul, e que tem relação com o que aqui escrevi.