O Coro das Velhas
O Português, como espécie, tem características particulares na dimensão humana. Não vou dizer a típica falácia “isto só em Portugal” que pretende realçar a nossa especificidade perante os outros, mas que em geral, quase sempre, está longe de ser verdade. Isso faz parte, aliás, de algumas dessas características, como a autocrítica exacerbada em relação aos si e aos seus pares e a auto comiseração. Mas há muitas mais.
Há duas semanas, por ocasião da visita de Bill Gates a Portugal, levantou-se um coro de protestos devido à importância que se deu ao evento, e o governo chegou a ser acusado de provinciano e lambe botas. Segundo os protestos, lá por sermos pobres não devíamos andar a beijar as mãos a um tipo com cara de “nerd” só porque ele nos vai oferecer milhões de euros em formação tecnológica e softwares, incluindo alguns projectos piloto inovadores mesmo dentro da Microsoft. Segundo outros, ninguém dá nada a ninguém e o senhor Gates apenas estará a preparar mais uma futura manada de utilizadores dos seus produtos.
Meus amigos, pensemos calma e pragmaticamente no assunto. Não devemos nós tratar bem quem vem investir uns milhões no nosso país, ainda para mais sem contrapartidas directas? Para além de pobres deveremos parecer também mal agradecidos? E acham mesmo que o Bill Gates, o homem mais rico do mundo, vai oferecer cursos e formação aos Portugueses e colaborar com empresas Portuguesas só para vender mais uns Windows daqui a 5 ou 10 anos? Vale mesmo a pena investir isso tudo num universo de uns míseros 10 milhões de pessoas? Não nego que interessa à Microsoft, e a todas as outras empresas de informática e tecnologia, ter o maior número de pessoas e países desenvolvidos e com acesso às tecnologias de informação. Mas daí a achar que o Bill Gates foi um interesseiro ao vir aqui esfregar os milhões na cara dos Portugueses já acho um bocado demais. É claro que são acordos positivos para a Microsoft, que pode eventualmente alargar a mais alguns o seu mercado, mas é também muito positivo para Portugal, que consegue quase de graça formação qualificada e com um líder mundial e de mercado. Se é verdade que poderá interessar à Microsoft o acordo por ganhar mais utilizadores a médio/longo prazo, umas migalhas no entanto para a dimensão da empresa, não é também verdade que interessa a Portugal que a sua mão de obra se qualifique com um produto que lidera o mercado, tornando-os aptos para uma linguagem Microsoft que é largamente maioritária e dominante? De que interessava qualificar todos os Portugueses em Linux ou Unisys se quase nenhuma empresa utiliza esses sistemas?
Em Portugal espera-se sempre o pior de tudo. O mau agoiro paira sempre no ar quando alguém se atreve a ser grande, a pensar grande, a ambicionar mais do que aquilo que tem, e mais do que aquilo que os outros ambicionam. Esse alguém é em geral olhado de soslaio enquanto se sentencia a seu provável falhanço. Enquanto transparece o mau pressentimento, adivinha-se encapotada a inveja pela ousadia, o medo da diferença, medo da mudança. O comodismo da mediocridade e a arrogância dos ignorantes entristece-me. Diz o provérbio “em terra de cegos quem tem olho é rei”, e em Portugal parece que os cegos têm medo daqueles que querem ver, enquanto alguns reis tentam evitar que mais olhos reluzam no meio da cegueira.