Chega de Scolari
Não é muito comum por aqui, mas vamos lá falar de futebol. Mais do que de futebol, vamos falar de carácter, de verticalidade, de inteligência. Mais do que da selecção, vamos falar de Scolari.
Portugal tem, de há uns anos para cá, um grupo considerável de bons jogadores, e um grupo mais restrito de jogadores fora de série. E esse grupo tem-se vindo a renovar, ultrapassando a chamada geração de Queirós, e contando já com inúmeros novos jogadores que foram nascendo nas cada vez mais bem trabalhadas camadas jovens dos clubes. Neste momento, tem um grupo grande de seleccionáveis, que mistura experiência, técnica, juventude e irreverência.
A Federação Portuguesa de Futebol, dirigida pelo oleoso Gilberto Madaíl, um homem que me repugna especialmente, e que incrivelmente conseguiu sair incólume do escândalo do mundial Coreia/Japão, decidiu contratar um treinador experiente, ambicioso e ganhador para a campanha do Euro 2004 que se realizou em Portugal. Contratou o Filipe Scolari. Realmente, olhando a resultados, ele era apenas o recém campeão do mundo, o que é um estatuto nada desprezível. No entanto, desde o início que a contratação não me convenceu. O Brasil ganhou um mundial a jogar um futebol pastoso, sem ponta de espectáculo, quando contava nas suas fileiras com inúmeros jogadores bastante acima da média, e alguns de fora de série. Era um futebol nada excitante, muito conservador, e a meu ver Portugal precisava de um treinador que explorasse as mais valias técnicas da equipa e lhes desse eficácia e rigor. Faço mea culpa, mas eu ainda sou um romântico nestas coisas do futebol, e para mim ganhar não é em si um único fim. Dou valor ao espectáculo, à emoção, como meio de chegar à vitória.
Scolari chegou e inventou. No seu primeiro jogo perdeu estrondosamente com a Itália num jogo onde tentou experimentar um sistema de 3 centrais. De todos os jogos até ao Europeu só num convenceu: contra o Brasil, em que conseguiu uma vitória e onde deu algum espectáculo. Entretanto, trouxe consigo uma prepotência que já lhe era conhecida no Brasil e cativou uma relação azeda com uma das melhores equipas de Portugal, o FC Porto. Como se lembram certamente, no ano do Euro 2004 o FC Porto foi campeão europeu com um meio campo e uma defesa de luxo 100% portugueses. Scolari, no entanto, insistiu numa ideia teimosa, nitidamente destinada a mais uma prova de poder, iniciando o campeonato da Europa com uma equipa onde não jogava Maniche, Deco, Ronaldo, ou Ricardo Carvalho, os melhores jogadores de Portugal na altura. Apesar de muita imprensa avisar que era prudente usar os melhores e aproveitar ao mesmo tempo as rotinas que vinham do FC Porto, Scolari quis mais uma prova de força. Portugal perdeu num jogo vergonhoso e humilhante. No jogo seguinte deu a mão à palmatória e aquele meio campo começou a funcionar, Ronaldo, Maniche e Ricardo Carvalho foram considerados dos melhores jogadores da prova, e Portugal só não foi campeão da Europa porque perdeu outra vez com a Grécia, numa mostra clara da pouca astúcia do treinador de Portugal.
Scolari falhou. Mas foi bajulado sempre pela imprensa. Esta hospitalidade saloia de Portugal de que Scolari se aproveita constantemente, vai dando guarida a um senhor que não respeita o país que lhe paga. Se respeitasse, devia explicar as suas decisões. Ele é pago para decidir, e fá-lo segundo a sua visão para a selecção, e isso não contesto. Mas ele tem que se explicar. Vejamos o ex crucificado e recém herói Co Adriaanse. Tomou posições algo polémicas, como afastar o Jorge Costa ou o Hélder Postigo e o Diego, e explicou-se sempre, com razões pertinentes de ponto de vista táctico, do modelo de jogo, da sua visão para a equipa e da forma de jogar dos jogadores. De facto, para o sistema que mais agrada a Adriaanse, Jorge Costa não tem lugar, pois é demasiado lento. Diego, realmente, não é um jogador de espaços, é um jogador que segura a bola e que emperra a máquina de Adriaanse, para além de ser pouco eficaz e algo lento para o futebol Europeu. Porque não explica então Scolari a decisão de deixar de fora o melhor jogador a jogar em Portugal, e diria mesmo, o melhor jogador português da época, juntamente com o Ronaldo? Porque nunca explicou o deixar de fora o unanimemente considerado melhor guarda-redes de Portugal? Porque Pedro Mendes, unanimamente considerado um jogador de extrema utilidade no meio campo, eficaz, regular e muito trabalhador, nunca é chamado por Scolari?
Scolari tenta formar algo parecido com uma equipa na Selecção, e por isso tenta manter um núcleo seguro para que se fortaleça o espírito de grupo e haja união no balneário. É legítimo. É uma forma de encarar a Selecção. Mas porque não explica ele isso, e acha que pode fazer o que lhe apetece, e que nem os jornalistas lhe podem fazer perguntas incómodas? Gosto muito do Costinha e do Maniche, mas são jogadores que não jogam, e um deles até treina sozinho. Porque hesita o seleccionador em injectar sangue novo na selecção? Quaresma, Raul Meireles, Moutinho, Pedro Mendes, e até Manuel Fernandes, são tudo jogadores que teriam eventualmente lugar na Selecção A. E se esquecer-se de alguns é grave, o não levar Quaresma ao Mundial é uma profunda injustiça para o jogador que mais evolui no último ano, atingindo patamares de rendimento muito elevados. Quaresma pode decidir jogos. Tem a explosão e a irreverência que falta já a Figo, e que Simão alterna com exibições quase medíocres. Quaresma é imprevisível. Com o seu pé direito pode cruzar da esquerda ou da direita com igual eficácia, domina a trivela que é uma técnica que apanha os adversários desprevenidos, ou remata e passa com igual classe. Prescindir de Quaresma é mais um sinal da arrogância de Scolari, na sua satisfação de ir contra o desejo de todos os portugueses. E ninguém me consegue convencer que a chamada de Ricardo Costa não é mais uma pequena provocação ao FC Porto, na sua já tradicional mania de chamar jogadores suplentes ou reservas da turma do Dragão, enquanto deixa os artistas de fora. Se Postiga fosse um ídolo no Dragão não sei se teria o lugar cativo que Scolari lhe reserva constantemente na selecção.
E é de lugares cativos que é feita a Selecção de Scolari. Em Dezembro, este senhor disse que já tinha na cabeça 20 nomes dos 23 a levar à Alemanha. Isto é um total desprezo por todos os profissionais de futebol que lutam por melhorar todos os dias. Quaresma viu logo ali que até podia marcar 20 golos e fazer 60 assistências, que nunca teria lugar nos 23. Tal como Costinha percebeu que podia mandar ás urtigas o treinador do Dínamo, vir para o Algarve treinar sozinho, não fazer um jogo durante 6 meses, que seria sempre chamado por Scolari. Quando falamos de falta de competitividade no país, podemos apontar a Selecção como um exemplo claro da mesma. Fazer parte do grupo de Scolari é como assinar um contrato na função pública. Não interessa o mérito. Assim que se entra para os quadros é muito difícil sair. A não ser que se reformem, como Rui Costa e Fernando Couto, que num assomo de bom senso que não deixou de me admirar, abandonaram a Selecção. Pois não duvidem que ainda lá andavam a arrastar-se se não tivessem renunciado à Selecção.
Tenho um mau pressentimento para este Mundial. Espero enganar-me e ainda vir a festejar muitas vitórias da Selecção. Espero também que, qualquer que seja a prestação de Portugal no Mundial, este brasileiro arrogante não continue à frente dos destinos da Selecção. E entretanto resta-me ir torcendo pela minha segunda equipa, a minha eterna Argentina, esperando que Portugal se vá safando. Força Portugal. Forza Argentina! Fora Scolari!