Blue Velvet

quinta-feira, julho 13, 2006

O Nosso Mundial

Depois da análise generalista do Mundial de Futebol aqui fica a análise prometida à nossa Selecção.
É inevitável falar de Scolari quando falamos da Selecção e, como já aqui o mostrei, eu não gosto muito de Scolari. Sou, no entanto, justo a reconhecer-lhe méritos. Scolari é e foi capaz de criar um grupo unido onde o colectivo interessa sempre mais que o indivíduo. Na Selecção de Scolari temos uma grande solidariedade e todos a batalhar no mesmo sentido. Também temos uma Selecção muito forte psicologicamente, que não se deixa abater com adversidades (Holanda) e que não se deixa levar pela pressa de marcar abandonando os seus processos (França e Inglaterra). No entanto, Scolari não é muito astuto tacticamente. As substituições são sempre previsíveis e pouco alteram a equipa. Se isso por um lado mostra pouca argúcia, revela também que cerca de 8 jogadores viajaram para a Alemanha para fazer número. Boa Morte, Hugo Viana, Hélder Postiga, Caneira, Nuno Gomes são exemplos de jogadores muito pouco utilizados ou que a sua utilização redundou em fracasso. Scolari prefere um grupo de fieis escudeiros onde nenhum ouse subir um degrau acima dos outros, onde todos saibam o seu lugar. Por isso defende com unhas e dentes convocatórias repetitivas onde raramente são dadas hipóteses a jogadores que trabalham com qualidade mas que não tiveram a sorte de entrar para o seu grupo restrito. Para além destas apostas tivemos a previsível má forma de Costinha, a já irritante má performance de Pauleta, e o cansaço de Deco que nos fez jogar todo o Mundial sem um nº 10 decente.
Para mim o melhor jogo de Portugal foi com a Holanda. Portugal entrou bem no jogo, muito concentrado e não deixou jogar os Holandeses, o que os irritou. Costinha foi a única nódoa, e Scolari poderia eventualmente ter previsto a sua expulsão, mas não se pode condená-lo por não o ter tirado. Nesse jogo Scolari esteve muito bem nas substituições, e se não fosse o descambar do jogo para uma batalha campal fruto do mau perder dos Holandeses, poderia aquele até ter sido um dos melhores jogos do Mundial. Contra a Inglaterra Portugal pouco jogou. Talvez se tenha notado demais a ausência de Deco. A equipa foi combativa e disciplinada, mas muito pouco criativa e incisiva. Poucas vezes fomos capazes de chegar à baliza da Inglaterra e perigo real apenas criámos nos últimos 10 minutos de jogo. A Inglaterra foi sempre mais rápida e mais decidida. Na segunda parte foi quem pegou no jogo e, não fosse a expulsão de Rooney e estou em crer que o jogo tinha corrido de outra forma. A jogar contra dez nunca fomos capazes de encurralar o adversário, e foram mesmo dos Ingleses as oportunidades mais flagrantes. Contra a França tivemos o mesmo problema. Nunca fomos capazes de partir para cima do adversário e encostá-lo ás cordas. Scolari preferiu sempre ultra povoar o meio campo a ter mais presença na área. Também nunca consegui perceber a razão de pôr o Cristiano Ronaldo a jogar a ponta de lança. É uma ideia tão estúpida que até parece mentira. Contra a França Domenech agradeceu, já que Ronaldo arrastava 3 e 4 franceses cada vez que pegava na bola. Ronaldo ganhava a linha e tinha que voltar para trás já que não havia gente na área. Também nunca percebi porque não jogou mais Nuno Gomes, e porque nunca jogaram dois avançados quando precisamos realmente de arriscar.
Destaco o grande Mundial que fizeram R. Carvalho e F. Meira. Meira começou mal, mas foi melhorando, e nos dois últimos jogos esteve sublime. Também Miguel esteve muito bem, embora acusasse algum desgaste no fim dos jogos. Figo foi um grande capitão e sempre perigoso. Muito do respeito que incutimos nos adversários nascia da sua presença. C. Ronaldo esteve também em crescendo, sendo que contra a França foi sempre dos mais inconformados e mais perigosos. Tenho também que destacar Maniche que, depois de uma época para esquecer nos clubes por onde passou, fez um Mundial sempre a 200 à hora, marcou golos importantes e foi o elemento mais regular da equipa. E por fim Ricardo, que apesar de um golo em que divide as culpas com a bola contra a Alemanha, fez um Mundial muito certinho, mesmo nos cruzamentos, e acabou por brilhar mais uma vez nos penaltis. Como desilusões temos o Costinha e o Deco. Com eles os dois em forma o meio campo de Portugal seria certamente outra coisa. Pauleta é uma desilusão recorrente, já que nunca esteve bem numa grande competição. E depois temos os que nem sequer eram opção, mas que não são desilusão pois ninguém esperava nada deles.
O facto é que Portugal ficou em 4º lugar do Campeonato do Mundo, o que é a nossa segunda melhor classificação de sempre. Foi, como é óbvio um excelente trabalho do seleccionador e dos jogadores. No entanto eu não gosto da forma como lá chegamos. Uma equipa com os nossos jogadores tem a quase a obrigação de tratar melhor a bola e o jogo. Tudo o que se disse da Argentina por ter defendido um 1-0 contra a Alemanha quando dispunha de soluções para ter outra atitude também serve para Portugal. Por outro lado, penso que foi óbvia a nossa má organização ofensiva. Portugal tem dificuldades a atacar e não tem uma referência na área. Penso que a França sabia isso, depois de ver a nossa equipa a rondar durante quase uma hora a defesa da Inglaterra sem criar uma oportunidade de golo, e por isso se acantonou na sua área depois de marcar à espera que o tempo passasse. Portugal joga muito bem nos dois primeiros terços de terreno, mas no ataque Portugal é inconsequente. Tirando alguns contra-ataques bem desenhados, pouco Portugal construiu de perigo neste Mundial. Foi notório que Portugal não tem um avançado de qualidade, e que não há quem substitua Deco. É quase ridículo ter o Hugo Viana com um 10 nas costas no banco e meter o Figo a jogar num lugar que não é o seu.
Só uma última palavra para a atitude de Portugal no jogo com a França. Depois de tanto acusarem os nossos jogadores sem razão, eis se não quando Portugal deu azo aos seus mergulhadores. Contei uns cinco ou seis saltos para a piscina. Para mim nem aquela de Ronaldo é penalti. É triste ver tantos jogadores a fazer isso numa meia final do campeonato do mundo. Fruto da nossa cultura nós não conseguimos percebe-lo tão bem, mas para países como Inglaterra, EUA ou países nórdicos, esta conduta é anti desportiva e uma enorme falta de respeito e de cavalheirismo. Achei também muito feio que no fim Scolari viesse queixar-se do árbitro e tivesse engendrado já uma cabala sul americana para tirar Portugal da final. Simplesmente ridículo. O árbitro esteve bem no jogo. Talvez num pequeno período tenha parecido mais decidido a apitar contra Portugal do que contra a França. Depois de um comportamento exemplar durante a prova, é triste acabar assim. Scolari tinha tirado da mente dos jogadores portugueses a eterna cantiga do coitadinho, e no fim veio com a metáfora do patinho feio. É um mau exemplo para os jogadores e é baseado em pressupostos que não são verdadeiros.
Todos sabem que eu defendia outra convocatória, mas foram estes os seleccionados e, contando com as características de Scolari, esta até terá sido uma boa convocatória. Quaresma, Pedro Mendes, Raul Meireles, Moutinho ou Hugo Almeida são apenas alguns nomes que poderiam ter estado na Alemanha. Scolari conseguiu um excelente resultado, apesar de tudo, mas para mim está na altura de mudar. Tal como se fecha o ciclo de muitos dos jogadores, estará também na altura de mudar de seleccionador. É preciso renovar esta selecção. Scolari falou na renovação falando em 2 ou 3 jogadores. Isto assusta-me. Há muitos jogadores a trabalhar e a inserir na equipa. Lembro também que o nosso grupo de qualificação para o Europeu está longe de ser a facilidade que foi o do Mundial. Bélgica, Polónia, Sérvia e Finlândia são equipas com uma palavra a dizer e que nos vão criar muitas dificuldades. É preciso um seleccionador que trabalhe mais próximo das camadas jovens. É preciso um seleccionador mais ofensivo e menos teimoso. É preciso um seleccionador audaz e que saiba arriscar. Pode ser estrangeiro, pode ser Português. Mas vamos mudar!