Blue Velvet

terça-feira, dezembro 07, 2004

Conto de Natal

Dia 25 de Dezembro, 0 horas e 23 minutos. O menino Pedro espera ansiosamente o Pai Natal em frente à lareira. Os amiguinhos têm tudo a postos para a sua chegada. Pedro é o chamariz. Enquanto o Pai Natal lhe entrega a prenda, os outros entram em acção. O menino Felix já tem a postos o seu bando de meninos fiscais para lhe apreenderem toda a mercadoria. Apesar das suas contas se encontrarem no offshore da Lapónia, o Pai Natal não se livrará de uma investigação. Aparentemente, os seus sinais exteriores de riqueza são evidentes. Não é que o trenó se compare a um Ferrari, mas alguém que dá prendas a milhões de pessoas tem que ter rendimentos extraordinários, e nos porquinhos de Felix não entra nem um cêntimo referente a impostos. Ou seja, o Pai Natal está em maus lençóis. Se quisesse distribuir este ano presentes em Portugal, devia ter pago o Pagamento Especial Por Conta, e não o fez. Entretanto, os meninos da Judite acomodam-se atrás dos sofás, e um paisana enfiou-se destemidamente numa meia na lareira. A verdade é que as ligações entre o Pai Natal, e a escandalosa avestruz Leopoldina da Modelo Continente não estão totalmente esclarecidas. O Pai Natal fornece as prendas à ave falante a troco de quê? E o Ancião barbudo ainda terá que enfrentar os meninos do IDICT e da SGTP. Em causa está a situação laboral dos anões e dos gnomos que o Pai Natal emprega. Não paga horas extraordinárias, não tem seguro, e obriga-os a trabalhar no Natal.
Na sala de Pedrinho respira-se confiança. Uma caneca de leite quente e um pratinho com bolachas estão ao lado da lareira. Os meninos estão todos ansiosos. Vai ser uma grande festa. E com jeito apanham-no antes de deixar as prendas na casa do Zézinho. O menino Sócrates não se dá muito bem com eles, e apreender a prenda dele também, era a cereja em cima do bolo para os Pedretes.
São já 2 horas e 48 minutos. O menino Félix já dorme no sofá com a barriga cheia de bolachas. O Pedro grita-lhe “Oh meu idiota! Agora é que ele não vem! Já não me basta aturar o Zezinho e o Marcelo na escola a dizer que ele este ano não vem cá a casa, e ainda tenho que levar com a vossa incompetência! Vais-me comer as bolachas!”. Félix vira-se, puxa uma almofada, arrota a leite com bolachas, e ressona tranquilamente.
É já de manhã e só Pedrinho está acordado. Com uma lágrima nos olhos Pedro resigna-se à evidência de que o Pai Natal este ano não vai a S. Bento. Pensa em telefonar ao amigo Guilhermito para lhe comprar uma prenda para fingir que recebeu alguma coisa. Mas é então que ouve um barulho lá fora. São crianças a brincar. Vai à janela para ver mais melhor. Ao longe consegue ver Marcelo e Aníbal com bicicletas novas. Cor de laranja como ele gosta. Noutro canto vê Zézinho com a prenda que ele queria e não recebeu. Um Monopólio novinho e um aviãozinho de brincar. Que injustiça pensava ele. Zézinho viu Pedro e abeirou-se da janela. Sorriu para ele, levantou o aviãozinho no ar e disse com um sorriso nos lábios “Olha! Vamos brincar a Camarate?”, e estatela com força o aviãozinho no chão. Pedro encheu-se de lágrimas e foi dormir. Que noite de Natal para Pedrinho!