Blue Velvet

quarta-feira, abril 13, 2005

Culpado, Eu?


Posted by Hello

Um das características mais detestáveis que temos como povo é a desculpabilização fácil e o seguidismo. Arranjamos com uma facilidade tremenda uma desculpa qualquer para justificar quase todas as falhas que cometemos. E quase sempre culpabilizámos essa espécie tão admirável, e sempre tão a jeito, chamada “os outros”.

-Filas intermináveis, excepto uma fila para uma determinada saída. O Zé portuga não resiste a aproveitar tamanha benesse. O carro está quase a chegar ao fim da linha e lá tem que parar para ir para a faixa correcta. Se os outros vão porque não há-de aproveitar?
-O país está na bancarrota. Toda a gente quer ter uma boa reforma, bons cuidados médicos, justiça rápida. Mas será que alguém paga os impostos que deve? Se os outros fogem, porque não se há-de fugir. Burros neste país, só os políticos e o vízinho do lado. Um dinheirinho a mais já dá para a pagar as férias no Brasil ou para a ajuda na compra do pópó para o filhinho.
-A namorada fica em casa a dormir. Encontra-se uma rapariga, boa como o milho, dois dedos de conversa e vê-se que dentro de meia duzia de quartos de hora uma festa e tanto estará à espera. O arrependimento chega. Pena é o relógio andar atrasado umas seis horas. Também a carne é fraca e a mistura de cerveja, shots, vodka e haxixe tolda o raciocício a um gajo. E depois, se ela não tivesse ido com ele ia com outro. Com a fome que andava. E no fim de contas até fez ao possível outro um grande favor porque na cama a rapariga não passava de um bife do vazio, daqueles mais baratuchos.
-O comboio chega à estação. Deixar as pessoas que estão para sair antes de entrar? Não. É que há poucos lugares e os outros tiravam-no. Além do mais o comboio não parte sem que os utentes saiam todos. Afinal já chegaram ao destino, têm tempo.
-Sairam as pautas de Matemática. A nota final...bem a nota final...foi 2. Também o professor exige mais do que aquilo que explica, e olhando para as pautas, os outros não ficaram atrás, foi quase tudo corrido com negativa. Quase tudo, porque só dois ou três cromos que andam sempre atrás de sua excelência é que passaram.

Como estes exemplos podia dar muitos mais. É claro que isto só é usado quando convêm. Até para uma questão de análise posso pegar no ultímo exemplo. Estes dois ou três que passam por serem tótós, por não fazerem outra coisa que não seja estudar, por não namorarem, por não apanharem umas borracheiras com a malta. O mito urbano do rapaz estudioso. Isto, embora na maioria dos casos erradamente, na optica do que reprovou, não lhe interessando nada que a felicidade dele é totalmente diferente da felicidade da outra pessoa. A visão que ele tem de tempo bem passado pode não ser a visão que o dito Nerd tem. No final quem vai trabalhar, caso queira, em países mais desenvolvidos que o nosso onde vai ser reconhecido como um excelente profissinal e ganhar uns bons milhares de euros? A história da cigarra e da formiga.
Claro que "os outros" podem ter a sorte do paizinho ter uma grande firma, terem os amigos certos nos lugares certos ou a filiação partidária tenha sido a mais indicada, embora tenha sempre uma duração limitada. No fundo a história dos outros confunde-se com a história do Portugal moderno. Dos apitos dourados, passando pelas nomeções sem concurso para a função pública. Somos um país de malta porreira, onde o aparentar é muito mais importante do que o ter e o fazer.
O que eu gostava de saber era o que acontecia se os outros se mandassem a um poço, ou então se pusessem debaixo de um comboio...