Na Mesma...
Choque após choque vou-me readaptando à vida por Portugal. Nem sempre é fácil. Há coisas que não mudam por aqui e que me irritam solenemente. Também há as boas. As que nos dão prazer que não mudem. Mas não me apetece falar dessas.
Hoje fui aos correios levantar uma encomenda e pude voltar ao emocionante contacto com a função pública em toda a sua ineficiência e redundância. Quando lá cheguei estava o senhor chefe da secção a receber uma batelada de encomendas, e outra senhora que se prontificou a vir ajudar os restantes: uma senhora e eu. Até aqui tudo bem. Tive que sair para levantar dinheiro, porque os correios não aceitam cartão, e quando voltei estava apenas uma senhora à minha frente. O senhor, imperturbável, processava as cerca de 20 encomendas. O processo incluía pesá-las, emitir os recibos, carimbar os duplicados, pôr cada um em cada montinho, e colar o original no pacote. Nem uma justificação a cada pessoa que entrava, um simples “peço desculpa mas terão que aguardar um bocado”, nada. A mulher que me tinha atendido antes viu-me, e perguntou-me se vinha buscar a encomenda, e à resposta afirmativa foi buscar o pacote, colocou-o perto do senhor das encomendas e disse-me que teria que esperar um bocadinho. A mulher, que me atendera antes, saiu do balcão e foi lá para trás fazer sabe-se lá o quê. Eu esperei, paciente, mas ao olhar para as encomendas pensava se o homem as iria processar todas antes de começar a atender as pessoas, e um nervoso miudinho começava a crescer em mim. Eu começava a bufar ao passar dos minutos. E mais um pacote. O nervoso miudinho crescia e era já um adolescente rebelde pronto a explodir, mas pensei que talvez fosse melhor deixá-lo atingir a moderação da maior idade, e controlei-me. Lá atrás diversos funcionários passeavam-se indiferentes à nossa espera. Não me contive, tive que falar. Olhei para trás para as pessoas que começavam a acumular-se sem que sequer uma justificação lhes fosse dada para a estúpida espera, e com um autêntico esforço para ser educado perguntei ao senhor: “Desculpe, mas não há aqui mais ninguém que nos possa atender?”. “Há, mas como o senhor tem que pagar para a levantar tenho que ser eu a tratar do assunto. É que aqui só eu mexo com o dinheiro”, disse o homem muito profissional. Mas e as outras pessoas atrás de mim? - pensei eu. E como que encorajados, outros clientes começaram a falar. “Mas olhe que eu é só para levantar. Não tenho que pagar nada! Não pode ser com aquela menina?” – disse apontando para a mulher que descaradamente estava sentada num posto de atendimento a fazer sei lá o quê. O homem respondeu “Pode! Se ela estiver disponível pode!”. Mas a mulher disse “Agora não que estou aqui a fazer um serviço”. E veio a boca mais de trás “Podiam então pôr aqui uns sofás e umas revistas para a gente se entreter”. A mulher nem pestanejou e continuou na sua nobre tarefa postal. O homem lá acabou a porcaria das encomendas e atendeu-me, e uns minutos antes apareceu outro homem de lá de trás que começou a despachar o serviço. A minha encomenda demorou 3 minutos a levantar.
Eu não tenho nada contra funcionários públicos, mas já tenho algumas coisas contra gente estúpida, mal-educada, ineficiente e arrogante. Aquela postura do género “não se metem connosco que nós é que mexemos com os papéis” é extremamente irritante. A falta de organização e o mau funcionamento destes estabelecimentos é desesperante. Tudo bem que o dinheiro seja tratado por um funcionário específico, mas devia haver um que o pudesse substituir na função. O atendimento ao cliente devia ser a prioridade, sempre! Se a mulher está a fazer alguma coisa devia pará-lo para atender os clientes que se amontoam à espera. Deve haver pelo menos um funcionário que esteja sempre disponível para o atendimento. Claro que a funcionar assim os funcionários arriscam-se a ouvir o que não querem. Estes serviços ineficientes nunca poderiam existir se houvesse uma gestão correcta dos serviços, onde os funcionários tivessem que prestar contas perante resultados. É injusto falar da função pública como por vezes se tem feito, apontando-a como o maior mal da nossa economia. Mas é bem verdade que todos estes serviços funcionam sob modelos gastos e ineficientes, e que os trabalhadores não mostram qualquer senso de produtividade e profissionalismo, encostando-se à estabilidade da sua situação profissional. É também interessante ver como as pessoas têm medo de reclamar. É científico: uma percentagem muito pequena de cidadãos reclama perante um problema na qualidade do serviço ou do produto. Quando lancei a discussão, as pessoas atrás de mim começaram também a dar largas ao seu descontentamento. O cliente tem direito a um serviço com qualidade e eficiente, e tem direito a reclamar se isso não acontecer. Se nós não exigirmos a qualidade, ela mais dificilmente nos será dada.
Enfim, desculpem este texto aborrecido, mas estas coisas irritam-me, e em parte é por este ciclo vicioso e constante de acontecimentos que as coisas estão como estão em Portugal. Falta de qualidade, falta de exigência, falta de avaliação, falta de bom senso, falta de educação, falta de respeito pelo próximo, falta …