Blue Velvet

segunda-feira, setembro 11, 2006

Onde Estavas no 9/11?

Há cinco anos atrás o mundo mudou. Quando víamos na televisão imagens com confrontos sangrentos nas ruas de Gaza, ou terríveis atentados na Índia, no Paquistão, na Tchetchénia ou no Egipto, franzíamos os olhos em sinal de desconforto, parávamos uns breves e profundos segundos em pensamentos altruístas e preocupados, comovíamo-nos por vezes, e cinco minutos mais tarde já sorríamos com as notícias desportivas do telejornal. Não eram preocupações hipócritas. Eram apenas fugazes, na proporção indirecta da distância de tais acontecimentos. A televisão encurta distâncias, mas a distância que sentimos separar-nos de povos tão diferentes e de costumes tão díspares é bem superior aos quilómetros medidos na escala do mapa. No fundo, aqueles eram problemas dos “outros”. E nem sequer escondíamos, por vezes, o nosso desconforto com o papel obscuro que alguns países ocidentais desempenhavam nesses longínquos recantos do mundo. Mas, mais uma vez, a distância levava a uma rápida indiferença.
Mas há cinco anos, quando um grupo bem organizado de muçulmanos perfeitamente integrados nas nossas sociedades ocidentais fez explodir dois aviões comerciais em dois dos mais emblemáticos edifícios dos EUA, e mais dois no Pentágono e na Pensilvânia, caímos todos numa realidade sombria. Afinal o problema não era dos outros. Era de todos! Agora todos tentávamos perceber porque grande parte da população da Palestina, do Paquistão, da Síria, e de outros países do médio oriente vinha para as ruas festejar tamanha barbaridade. Todos tentávamos perceber como estudantes aplicados e aparentemente sensatos, muçulmanos integrados em sociedades europeias como a Alemã, se tinham convertido ao radicalismo islâmico e tinham sido capazes de organizar e perpetrar tão sangrento ataque. Choveram explicações maniqueístas de ocasião, ou vozes sábias saloias que se apressaram a discorrer argumentos. Uns apresentavam um nojento contentamento contido e extravasavam frustrações acumuladas, não hesitando em trautear por meias palavras um “bem feita” e anunciando o início do declínio de um império. Outros espumavam de raiva e anunciavam uma segunda vaga de cruzadas estúpidas contra os supostos “atrasados medievais fanáticos” que atacavam as nossas livres e conscienciosas sociedades do ocidente. Tudo uma cambada de idiotas comidos pelo próprio ego. As pessoas ficaram confusas no meio deste fogo cruzado.
Quem cai na armadilha das próprias organizações terroristas e reduz esta nova ordem mundial a um problema de religião está a perceber mal o problema, mesmo cinco anos depois. A religião é aqui um meio, e não um fim. É difícil motivar a população muçulmana explicando os complicados interesses estratégicos, económicos e geopolíticos dos países por trás dos milhões que caem incessantemente nas contas terroristas, ou desvendando as frustrações de desejos pessoais de vingança de determinados líderes religiosos. É no entanto muito mais simples aproveitar a má gestão ocidental de pequenos conflitos regionais para pintar a existência de novos cruzados e empolar a dedicação religiosa de um povo pobre e constantemente explorado para os mover numa luta civilizacional e religiosa contra um mundo infiel. Descrever os muçulmanos ou os terroristas de atrasados é uma imbecilidade e uma redução perigosa. Alguns dos terroristas responsáveis pelo 11/9 eram formados por universidades europeias que se deixaram levar pelas correntes mais extremas de uma religião. Os líderes terroristas e alguns dos seus mais fieis seguidores são indivíduos cultos e bem treinados, física e intelectualmente, e que já viveram por algum tempo na Europa ou nos EUA. Teerão ou Beirute são metrópoles modernas e bem mais abertas do que se pensa. Os países do médio oriente têm universidades respeitadas, muitas patrocinadas por países ocidentais, como os EUA, o Reino Unido ou a França. Quem viu a última guerra no Líbano e seguiu os passos estratégicos do Hezbollah só pode ter notado na leveza táctica do grupo e no elevado sentido propagandístico, digno das melhores escolas de marketing político. Onde estes movimentos ganham adeptos é na ajuda às populações. Com elevadas somas de dinheiro, vindas de países a abarrotar de petróleo, estes grupos terroristas mimetizam-se em organizações de caridade e ganham a confiança e o reconhecimento incondicional das populações desfavorecidas. No sul do Líbano o Hezbollah construiu hospitais e criou um sistema moderno de saúde onde os utentes pagavam metade do preço do que pagavam nos hospitais do estado libanês. O exército do grupo paga cerca de 10 vezes mais que o exército libanês. Na hora da reconstrução o Hezbollah foi o primeiro a chegar-se à frente, com mais de 10.000 doláres por família destroçadas e com reconstruções rápidas. A lentidão da ONU e da NATO em pôr em concórdia os seus inúmeros membros criou um vazio que foi rapidamente preenchido, e o Hezbollah terá com certeza ganho mais uns poucos de simpatizantes. Do mesmo modo, a estratégia do Irão para a região é tudo menos movimentos incertos de um louco. A forma como aproveita a fragilidade dos EUA e a sua frente de infantaria estacionada na fronteira do Líbano com Israel tem sido apreciável, e neste momento, quando talvez a maior ameaça ao ocidente está a fincar o pé e a revelar interesses expansionistas e bélicos assustadores, o países ocidentais encontram-se de mãos e pés atados graças à sua desastrosa política para a região nos últimos 10 anos. Neste momento assusto-me com a perspectiva de um ataque ao Irão que nos arrastará a todos para um conflito de escala global que será certamente o mais sangrento e demorado dos últimos 60 anos, tal como me assusto ao ver a impotência do ocidente em travar uma nação que se prepara a olhos vistos para um futuro imperial. Qualquer dos dois cenários é problemático.
Desviei-me, no entanto, do elemento central: o 11 de Setembro de 2001. Foi um momento marcante para todos. Para a história haverá sempre um pré e um pós 11 de Setembro. Depois disso mais atentados históricos se seguiram, mas nenhum tão sangrento e tão marcante como o 11 de Setembro. Não só pelas proporções, mas principalmente porque todos o vimos em directo na televisão. Acompanhamos hora após hora o desenrolar dos acontecimentos, e assistimos incrédulos ao desabar das torres, vimos as caras chocadas dos nova iorquinos, a destruição incrível, tudo em directo. O típico instinto voyeur do Homem acabou por brindá-lo com uma janela virada para o terror. Ainda hoje me lembro perfeitamente de tudo o que fiz nesse dia, e quase que aposto que o mesmo se passa com cada um de vocês. Também me lembro, vagamente, de onde estava no 11 de Março de 2004 aquando dos atentados de Madrid, preso no trânsito algures entre o Porto e Santa Maria da Feira enquanto ouvia as conjecturas de comentadores políticos na TSF, ou no fatídico 11 de Junho de 2005, quando me encontrava a viver nos EUA e acordei com a crise já a 8 horas de distância. Lembro-me de me preocupar com o destino alguns amigos e colegas que estavam em Londres e de seguir a crise por dentro de uma cultura diferente. Mas do 11 de Setembro de 2001 lembro-me que como se me estivesse a acontecer hoje. De estar a acabar de almoçar enquanto o José Rodrigues dos Santos ainda falava num estranho acidente. De me ir sentar em frente à televisão para assistir em directo ao embate do segundo avião e pensar logo no pior. E lembro-me de todo o dia, passo a passo, até me ir deitar com muitas perguntas na cabeça. Se me lembro eu desse dia, não consigo imaginar a intensidade da memória dos nova iorquinos desse fatídico dia, tal como não consigo imaginar os sentimentos dos milhares que recentemente foram despojados do seu lar e da sua dignidade no Líbano, duas faces da mesma moeda, ou os dos muitos outros milhares que convivem diariamente com a guerra. O que me entristece é que, cinco anos depois, ainda se continue a discutir o acessório e a localizar o problema nas margens da questão. Não me parece que tenhamos evoluído muito desde então.

E tu? Onde estavas no 11 de Setembro?
Onde estamos agora?