Blue Velvet

quarta-feira, abril 12, 2006

Ao menos tirem-lhe os pregos

Até gostava de falar da Páscoa, mas infelizmente não posso, devido a duas razões, que aprendi ainda era uma criança. “Tem cuidado com o lado negro da força”, sempre me disse a mamã. “Nunca queimes datas, especialmente se não tiveres à mão fósforos e alcool étilico. O equilibrio entre as forças é essencial para um dia feliz”, foi um dos sábios ensinamentos. Assim sendo, como ainda não falei sobre o dia dos namorados, obviamente não posso falar sobre a Páscoa. A segunda razão além de ser ensinamento também tem a ver com a personalidade. Sempre me ensinaram a nunca bater num deficiente. Tenho cumprido o ensinamento escrupulosamente, mesmo que já tenha passado por uma ou outra dificuldade. Um dia, um cegueta meteu-se com a minha namorada. Se tivesse utilizado um linguagem decente nem me tinha chateado, dava-lhe o devido desconto. Mas não. Utilizou uma linguagem lasciva, punha muito a língua de fora, e apalpava-lhe ostensivamente o rabo, levando-me ao desespero e ao dilema moral que daí advem. Usou uma autêntica linguagem do demo. Não era por ser deficiente que podia fazer tudo que lhe desse na real gana. Contei até dez mas aquela lingua e aquelas mãos curiosas ficaram marcadas na minha cabeça, tanto que ainda hoje tenho pesadelos.Dar-lhe dois murros ou ignora-lo? A namorado ainda disse: “Não ligues. Coitadinho. É deficiente”. “Pois. É deficiente, mas para te apalpar o cú já não o é”. Resolvi ir pela terceira via. À saida do bar, quando me perguntou se podia atravessar a rua, só o deixei passar quando a inevitabilidade de um carro lhe bater de frente era superior a 95%. Tive a esperança que lhe acontecesse o mesmo que aconteceu ao paralitico do Lost, mas não passou disso mesmo. Esperança. Não recuperou a visão, mas ao invés ganhou uma paralisia do pescoço para baixo. Concerteza passará a ter mais cuidado ao passar um rua movimentada. Culpas? Penso que aqui existiram três culpados. A língua e a mão do cego, e um condutor distraído ou com alcool a mais que os 0,5 no sangue. Agora digam-me, se não bati no ceguinho que moral tinha eu para bater numa pessoa que está pregada na cruz à dois mil e seis anos?