Blue Velvet

sexta-feira, abril 07, 2006

Falência De Um Modelo

Como podemos ver os modelos sociais de muitos dos países europeus está a falir. Salvam-se os países nórdicos como a Dinamarca, que há uns 10 anos se deparou com uma elevada taxa de desemprego e reformou eficazmente o seu sistema social e económico, e a Inglaterra. O resto vai penando, uns mais e outros menos, para conseguir equilibrar contentamentos e conseguir manter a economia a funcionar.

A França, coitadita, está de rastos. Nem a lei polémica é muito feliz, nem os estudantes e sindicatos mostram bom senso. É interessante a entrevista do Público de hoje (6 de Abril) sobre o assunto a Jacques Marseille, o director do Instituto de História Económica e Social de Paris, na medida em que analisa friamente a situação, e é até possível traçar alguns paralelismos com Portugal ou tirar de lá algumas ilações.

O modelo social e económico europeu típico é ultra protector do trabalho, dos direitos adquiridos, protege uma agricultura ineficaz e obsoleta, protege os funcionários públicos, tem um estado super interventivo na economia, enfim, tal qual o modelo português. Isto só torna a economia pouco flexível, pesada, pouco atractiva, dependente do estado e, ironia das ironias, apesar de ser considerado um modelo mais justo socialmente, cria mais injustiças, pois ao proteger uns há sempre outros que são prejudicados. É o que se passa em França. Tanto se protegeu o estatuto do trabalhador que agora os jovens estão barrados por pessoas mais velhas com lugares cativos. Vou citar um pequeno momento da entrevista de Jacques Marseille:

Jornalista: Como define o modelo francês?

JM: É adular um Estado todo-poderoso. É tornar o funcionalismo público na profissão mais apetecível. É um modelo em que a norma é ter o mesmo emprego toda a vida, e que cria um clima de suspeita em relação ao mundo empresarial. É promover a ruralidade como modo de vida supremo a salvaguardar a todo o custo. Hoje, assistimos ás convulsões de uma ruptura.

Reconhecem este modelo? Não vos faz lembrar nada? Sei lá… parece Portugal! Também aqui, no último ano, temos tido a nossa quota-parte de contestação ao governo. Tudo porque parece estar a querer mexer no corpo moribundo da função pública. É normal… o ser humano é um ser de hábitos e rotinas. Acomoda-se, engorda, fica estúpido, adormece a babar em frente ao televisor, até que o cérebro empapa e deixa de elaborar raciocínios lógicos. A mudança faz-lhe confusão. Principalmente quando parece haver a possibilidade de ter que voltar a usar o cérebro, os membros, e até se calhar levantar-se de vez em quando. É uma chatice.

Há uns tempos vi uma notícia na televisão sobre uma empresa grande que ía fechar, na zona centro se não me engano. Notificou os empregados, foram negociadas condições para os trabalhadores saírem, e foi então acordado um valor de indemnização a atribuir aos empregados. Tudo conforme a lei, transparente. Os trabalhadores foram chamados para assinar o acordo e dois tipos do sindicato estavam à porta da empresa a chatear as pessoas para não assinarem. Impressionante! O que queriam eles? Que a empresa optasse por abrir falência sem pagar a ninguém? E que depois fosse tudo para tribunal e ninguém visse cheta por meia dúzia de anos? A empresa tratou de tudo correctamente, exemplarmente! Mas afinal de onde vêm estes tipos dos sindicatos? Alguém me explica? Deve ser a segunda divisão do PCP. Alguém devia explicar a estes senhores que as empresas ás vezes fecham. Faz parte de ciclos económicos ou de políticas de empresa, e os trabalhadores devem estar preparados para isso. O trabalhador também pode sair quando quiser, sob determinadas condições que não são muito rígidas. E quem protege as empresas, se por exemplo um excelente profissional que aprendeu tudo na empresa deseja sair para uma empresa concorrente? Quem a indemniza? E o dinheiro que foi investido no trabalhador para que este se tornasse um especialista? São as duas faces de um problema.

Segundo o Público, em Portugal, um quinto daqueles a quem o estado pagou doutoramentos, pós doutoramentos, ou outros cursos, foi trabalhar para fora do país em busca de trabalho e do justo reconhecimento das suas competências. Eu conheço muitos. E conheço muitos que estão na iminência de ir. Agora está na moda a expressão “geração mil euros”, um título nascido em Itália para descrever os jovens até aos trinta anos que não conseguem arranjar emprego, ou se arranjam são sempre sob valorizados. Vivem num marasmo desmotivante, num beco. É claro que quando se fala da “geração mil euros” em Itália, se está a falar da “geração 600 euros” em Portugal. Dou o meu exemplo: cheguei há quase 4 meses dos EUA de uma boa experiência de trabalho, tenho uma experiência diversificada, embora não muito extensa, já trabalhei em dois países estrangeiros, investi em formação pós universitária. O que faço agora? Coço o esquerdo e o direito, alternadamente, para não entrar na rotina. Já enviei diversos CVs e nunca fui chamado sequer para uma entrevista, em alguns casos para trabalhos em que o meu perfil encaixava bastante bem. Perspectivas? Vou-me embora daqui outra vez. Eu mantenho os meus objectivos. Tenho pena é que eu tenha objectivos mais ambiciosos do que a maior parte das empresas, e porque não dizê-lo, da maior parte dos portugueses. Continuo a achar que aqui é mal visto querer fazer algo diferente, inovar, ter objectivos, lutar pelas coisas. Ás vezes penso que o facto de ter estado a trabalhar lá fora me prejudica, incrivelmente. Imagino um tacanho director de uma empresa a olhar para o meu CV e a dizer: “Este tipo veio dos EUA agora? Ele vem para cá armado em engenheiro, nós vamos oferecer-lhe um emprego e 500 ou 600 euros e ele vai mandar-nos foder”. Será? Claro que sim! Mandava-os logo dar uma curva! Eu podia neste momento estar a trabalhar na empresa medíocre em que trabalhava antes de ir para os EUA. A ser explorado, mas o pior ainda, a trabalhar com gente curta de vistas, ignorante, sem o mínimo saber estar na vida, mesquinha e intriguista. Mas no momento certo decidi arriscar e fui para fora sem nenhuma garantia a médio prazo. Agora estou aqui. Valeu a pena? Fazia tudo outra vez sem pensar.

Permitam-me que cite mais uma vez o Público, agora no editorial do José Manuel Fernandes:

“Temos pois uma juventude enfiada num beco sem saída ou cuja a única saída é ir para o estrangeiro. É o que já faz um quinto daqueles em que o Estado português investiu fortunas para que estudassem, se licenciassem e se doutorassem. Ou é o que fazem cada vez mais jovens franceses que atravessam a Mancha à procura de empregos no Reino Unido, de acordo com uma reportagem do Liberation.
Ora isto sucede porque protegemos de mais os que estão empregados e desprotegemos em absoluto os que aspiram ao primeiro emprego. A protecção social resulta na maior injustiça social. E, em nome da rigidez do Estado social, os melhores de entre os jovens fogem para o mundo anglo-saxónico, onde impera o tal horroroso neoliberalismo. Deve ser por masoquismo…”

Pois deixem-me que vos fale do neoliberalismo. Nos EUA, o que eu conheço, ninguém tem medo de ser despedido, apesar de ser muito mais fácil lá uma empresa despedir do que por aqui. A empresa onde eu estava passou momentos difíceis em termos financeiros devido ao falhanço comercial de alguns produtos, e tratando-se de uma empresa assente na inovação e I&D a balança dos gastos pesou significativamente. Acham que houve protestos? Greves? Sindicatos à porta? Nada! Absolutamente nada! Os meus colegas e as pessoas com que falava da empresa brincavam com a situação. Riam e continuavam a trabalhar, sem grandes preocupações. Muitos estavam já a tratar do assunto, como o meu chefe que já lá não trabalha, tendo ido para uma empresa maior e ganhar mais. Os outros estavam despreocupados porque sabiam que se fossem despedidos em pouco tempo teriam um novo emprego.

No departamento onde estive durante menos de um ano vi entrar e sair pessoas sem grande turbulência. Foi despedido o Steve que lá trabalhava há 4 anos e era dos mais experientes, e em 2 semanas estava já a trabalhar noutra empresa. Vi também quem decidisse procurar um futuro melhor, tendo arranjado empregos mais atractivos, e assim largando a empresa. Nada de ressentimentos. Tiveram jantar de despedida e tudo. Num departamento não muito grande, em cerca de 9 meses, vi circularem fora e dentro umas 7 ou 8 pessoas. Lá todos percebem melhor a dinâmica empresarial, e sabem jogar com isso. Dirão muitos que a cultura deles é diferente. E é verdade. Mas estas coisas educam-se. Nos EUA todos têm uma mentalidade competitiva. Sabem que é assim que tiram partido do sistema, e que é apenas pelo mérito e pela iniciativa que conseguem uma vida melhor. O que aqui para muitos Europeus é uma ameaça, para eles é uma oportunidade: a flexibilidade da lei do trabalho. Se é verdade que é muito mais fácil despedir nos EUA, também é verdade que obriga os trabalhadores a dar o litro e a lutarem por ser os melhores, tornando assim as empresas muito mais competitivas e dinâmicas. Por outro lado, o trabalhador sai beneficiado, pois o patrão vê-se obrigado a blindar os seus trabalhadores competitivos que são uma mais valia para a empresa com salários atractivos e com programas de benefícios extra, como seguros de saúde, planos de acções, pagamento de mais valias, prémios, etc, sob pena de estes estarem insatisfeitos e serem seduzidos por uma empresa concorrente com uma oferta mais atractiva. É que se é mais fácil despedir, também é mais fácil despedir-se. Assim, os EUA têm uma massa trabalhadora dinâmica, competitiva, flexível, aberta à mudança, ciente de que beneficia com ela, e um mercado de trabalho que está em constante movimento e equilíbrio.

As diferenças são enormes. Espero que se encontre um modelo que nos sirva, e que flexibilize o mercado de trabalho e o torne mais competitivo. Todos ganham com isso. Há muita gente de valor, jovem, com sonhos, com ambições, com competências e vivências muito úteis ao país, que estão a desesperar, a penar, a perder a motivação, a ser empurrados para fora de Portugal. E estão a ir, juntando-se à cada vez maior massa imigrante super qualificada que Portugal exporta para os grandes centros de decisão. Eles publicam artigos científicos nas revistas de referência, por laboratórios de referência, eles dirigem empresas estrangeiras, ocupam lugares de destaque em multinacionais, enfim… eles vencem e têm sucesso. Estão pelo menos ao nível dos melhores. Por que ninguém aqui lhes deu uma oportunidade justa?