Blue Velvet

quarta-feira, abril 05, 2006

A Queda Dos Senhores Da Música

Quem já recebeu a intimidante carta a exigir uma indemnização pela violação dos direitos de autor pelo download ilegal de ficheiros de música? Agora lembraram-se desta! Não é um procedimento original, já que pelos EUA e outros países já foram processadas algumas pessoas. Mas será este realmente o cerne da questão para a indústria discográfica?

É claro que não, e só uma indústria pesada e amorfa não o percebe. Só uma industria inerte e acomodada é capaz de tal idiotice como a de processar meia dúzia de putos que tiram umas músicas da internet. Nitidamente a indústria da música não soube adaptar-se aos novos tempos, ás novas tecnologias, e a um perfil de utilizadores completamente novo. A antecipação, que é um elemento fulcral numa estratégia, quer seja militar ou comercial, foi algo que faltou a estes senhores. Mas pior que ter errado, é não reconhecer o erro, e continuar a insistir num reinado e numa prepotência que já não faz sentido. Ninguém tem medo destes senhores.

Tudo começou há uns 10 anos atrás, quando começou a ser possível a qualquer utilizador de computador gravar um cd para o computador, ou duplicá-lo para um outro cd. E pela mesma altura apareceu o mp3, um formato de ficheiro revolucionário que comprimia para cerca de 10% um ficheiro musical. Os passos seguintes eram facilmente previsíveis. Se um leitor de mp3 era um software bastante simples que descodificava o formato informático, certamente não tardaria a surgir um leitor independente do computador. Até demorou mais do que eu pensava, e terá sido certamente devido a pressões da indústria discográfica, mas acabou por aparecer. Por essa altura já toda a gente tinha cds pirateados nas prateleiras de casa. E a indústria discográfica parada face a este cenário. O que fazer? A solução é simples quando se está acomodado a um lugar, quando a criatividade está esclorosada pela inércia: subir os preços. E é isso que tem acontecido. Vou à FNAC e assusto-me constantemente com os preços do cds, e sei que nem serão dos mais caros.

Fala-se de violação do direito de autor, mas na realidade não é o autor que perde. É a editora, e por arrasto os retalhistas. O autor ganha por cd não mais que 8% ou 10%. Alguns grandes nomes da música serão capazes de exigir mais umas migalhas ás editoras, mas regra geral não passa disso. E até vou mais longe. O autor é altamente beneficiado por esta circulação livre de música. Hoje é possível um pequeno autor disponibilizar a sua música na internet e chegar a um universo imenso de ouvintes. Para o autor o que realmente interessa é ser conhecido, pois os cds proporcionam-lhe um ganho simbólico. Onde um músico ganha realmente dinheiro é nos concertos. Bandas como os Arcade Fire ou Danger Mouse foram conhecidos pela internet, a edição de um cd foi um passo posterior. O que se passa aqui é que a industria discográfica não está disposta a abdicar de um cêntimo das suas margens de lucro, e então continua a subir preços e a tentar proteger os cds em tentativas falhadas e deprimentes de tornar um cd inviolável. Ridículo!

A industria discográfica ainda se vai safando porque há melómanos puristas como eu, que gostam de ter a peça para além da música, que acham que o objecto é conteúdo e forma, que gostam de pegar no livrinho e ler as letras ou ver as fotografias, e que gostam de ver as prateleiras a encherem-se de lombadas de plástico coloridas que eu conheço de cor. E vão-se safando também porque há ainda algumas gerações que são analfabetas em termos informáticos, e que são incapazes de fazer um único download. Mas mesmo eu não estou limpo nesta treta. Ninguém é de ferro e o meu amor pela música suplanta tudo.

Apesar de a indústria discográfica continuar na sua posição autista de não mudar, não deixa de haver gente inteligente neste mundo. Passo a dar um exemplo: Steve Jobbs e a Apple. O iTunes da Apple de Jobbs aumenta brutalmente a facturação todos os anos, apoiado no sensacional iPod e numa estratégia bem pensada e inteligente. No iTunes cada música custa 99 cêntimos de dólar, o que dá uns 80 cêntimos de euro. Por este preço, um álbum de 10 músicas fica por 8 euros. Podia ser melhor, mas é menos de metade do que custa um cd numa loja aqui em Portugal. Tem a vantagem de podermos ouvir excertos de todas as músicas, procurar outros trabalhos do artista, procurar o tempo que quisermos e quando quisermos. Enfim, é um serviço mais personalizado porque é gerido por nós. Não é definitivamente a minha forma de comprar música. Gosto do contacto físico, de ir à loja, pegar ao acaso num punhado de cds por razões diversas, e encontrar pérolas perdidas nas prateleiras à espera de serem resgatadas do abandono. Como o iTunes temos o Napster e outros menos conhecidos. Mas este tipo de negócio prospera e continuará a crescer, enquanto os senhores das editoras continuam com o seu ar ofendido a processar putos, a subir os preços e a ficarem cada vez mais isolados. Por outro lado, se baixassem consideravelmente os preços, apostassem na multidisciplinaridade dos formatos, e estendessem a mão ao consumidor, certamente veriam os seus lucros crescer. Eu compro um cd e gasto 17 ou 19 euros. Se eles custassem 8 eu provavelmente até compraria 3 e acabava por gastar 24 euros.

Por mim, senhores, processem quem quiserem. Essa será uma guerra que nunca irão ganhar. Por cada 28 que processem em Portugal, haverão milhares de outros salteadores lusos a profanar álbum atrás de álbum, música atrás de música. Será sempre assim. E à escala mundial o assunto toma proporções absurdas. Ainda que fosse humana e tecnicamente possível identificar todos os prevaricadores do mundo, era absolutamente impossível processá-los a todos. Eram milhares de milhões de processos que entupiriam os tribunais e acabariam por levar à falência as editoras com gastos de tribunal e advogados. Tentam assustar a opinião pública, e até são capazes de por em alerta meia dúzia de cagões, mas na realidade não estão a resolver o problema de ninguém. Quem tem este tipo de atitude perante o mercado, perante o consumidor, quem não mostra competência estratégica para fazer frente à mudança, não merece o respeito ou a pena de ninguém. E aqui digo publicamente: eu quero mesmo é que eles se fodam.