Blue Velvet

segunda-feira, fevereiro 07, 2005

Toda a Verdade - Entrevista a Candidato a Primeiro Ministro

Entrevista a um candidato a primeiro ministro:

Jornalista - Boa noite Sr. Candidato.

Candidato - Boa noite.

J - O que o motiva para concorrer ao lugar de primeiro ministro?

C - É engraçado fazer-me essa pergunta. Mas não foi uma decisão muito pensada. Foi algo que nasceu, que foi crescendo à medida que o país se afundava, e quando dei por mim estava a lutar por isso. Senti que podia fazer a diferença, devolver a confiança aos portugueses, devolver-lhes a esperança, a alegria, dar-lhes uma razão para se orgulharem de serem portugueses. Não vai ser fácil, mas é um desafio que me move.

J - Ok. Essa é a resposta que costuma dar. Mas quase ninguém acredita nela. É lógico que o ideal era que o que movesse um candidato a primeiro ministro fosse um sentido de dever cívico e patriótico de fazer o melhor por Portugal, usar os seus conhecimentos como figura maior do nosso país em prol do seu desenvolvimento e afirmação. Mas todos sabemos que isso não é bem assim! Tanta gente por lá passou, e a cada um que passa são mais buracos e mais contratos para amigos, aquilo a que vulgarmente se chamam tachos.

C - Eu percebo o que quer dizer. De facto aquele discurso é algo que se vai ganhando depois de anos de retórica e demagogia barroca em juventudes partidárias ou associações de estudantes. Sabe que desde as juventudes partidárias somos levados a movimentar-nos de tacho em tacho, arranjar os amigos certos, apunhalar os amigos certos, favorecer os amigos certos. E isto é um jogo de estratégia que não pode ser menosprezado. A partir do momento em que entramos nisto e nos começamos a sair bem, já não sabemos fazer as coisas de outra forma. O outro dia passei à frente numa fila de pagamento na FNAC em troca de um discman. As coisas funcionam assim. Eu sei que é difícil compreender a quem nunca viveu os loucos tempos das juventudes partidárias. E depois eram aquelas viagens pagas aos comícios e congressos, com dormida paga, comida, e muito vinho e cerveja. Eram festas até altas horas. No dia a seguir nem sabíamos no que estávamos a votar. Tínhamos um tipo que nos dizia quando devíamos votar ou não.

J - E não lhe custa enganar as pessoas assim? Dizer essas tretas do dever cívico e do sentido de responsabilidade. De falar em coisas tão sérias, de brincar com a vida de pessoas que surpreendentemente vos dão a oportunidade de fazer algo por elas?

C - Repare que se eu falasse como estamos a falar aqui não ganhava nada. E por outro lado era extremamente injusto, porque os outros falam tal e qual como eu. Se fossemos todos honestos e disséssemos o que realmente pensamos, aí sim seria justo. Mas não me parece que isso vá acontecer. E estes discursos funcionam muito bem. 80% da população nem nos percebe muito bem, porque os nossos discursos são feitos de maneira a que se usem muitos advérbios e muitas palavras mais elaboradas, conseguindo dizer num discurso de 10 minutos pouco mais que nada. Depois metem-se palavras como emprego, competitividade que a maioria nem sabe o que é, educação, crescimento económico, com mais ou maior à frente, e temos um discurso muito interessante para o eleitorado. E como muitos sabem tanto de português como eu de atum de conserva, são facilmente ludibriados pelo que eu chamo engenharia linguística.

J - É também essa uma razão para as reformas de fundo na educação serem sempre evitadas? Interessa ter um povo pouco preparado para perceber o que realmente se passa no país?

C - Essa é uma pergunta difícil. É claro que é muito mais fácil enganar um povo analfabeto e com graves falhas na interpretação de português. Mas depois essa falta de educação também é má para atrair investidores estrangeiros. Se queremos cá grandes empresas de elevado nível tecnológico, temos que ter mão de obra minimamente qualificada. Ao menos que saibam ler as instruções das máquinas. E nós precisamos desse dinheiro para nos governarmos. Se não qualquer dia temos que vender o parlamento para um condomínio de luxo.

J
- Muito obrigado por esta entrevista senhor candidato. Durante a campanha teremos provavelmente outras hipóteses de conversar.

C - Naturalmente. O prazer foi meu. Espero que possa ter esclarecido os portugueses.

J - Boa noite.

C
- Boa noite.