Blue Velvet

sábado, outubro 22, 2005

O Homem Binário

O hábito faz o monge, já diz o povo, essa entidade de costas largas e que pelos vistos diz todas estas frases feitas a que chamam provérbios. Este, devido à nossa traiçoeira língua, tem um carácter dual, e a maior parte das vezes é usado com o sentido dado pelo trocadilho, e não pelo sentido que tem o hábito para o monge. É o hábito…

Mas o monge não é para aqui chamado. O hábito já é outro assunto. É um comportamento adquirido ao longo do tempo, algo que nos habituamos a fazer, e que até muitas vezes nos chateia se não o fazemos. O hábito pode derivar em tique, mania, obsessão, doença, ou pode apenas fazer parte constante do marasmo da monotonia da nossa vida, aquilo a que chamamos inocentemente de quotidiano. Eu, pessoalmente, não gosto de “quotidianos”. Gosto da imprevisibilidade, do improviso, de alguma incerteza, de continuar a sentir que tenho mão no meu destino, e que o posso mudar a qualquer altura ao sabor dos meus humores, dos meus amores e feitios. Tendo mão nele, nem sei se será correcto chamar-lhe destino. Destino como um fim, sim, não como um caminho inevitável. Mas mesmo assim, tenho os meus hábitos. Preciosos hábitos que gosto de manter, pequenos pormenores, preciosidades que ajudam a equilibrar-me, pequenos prazeres que nada perdem com a repetição periódica. Antes, no Porto, seria um deles por exemplo ler o Público e a Bola ao sábado e domingo no café em frente a casa depois do almoço, e ir encontrando os amigos que por lá também passam… habitualmente. Ou talvez ir á Fnac a um fim de tarde deliciar-me com uns CD’s, livros, DVD’s, e gastar mais um pouco do meu orçamento cultural. Por aqui pela Califórnia ainda tenho poucos. É preciso tempo para se cultivar um hábito. Mas também vou tendo alguns, como ir ao fim de semana de manhã comprar pão fresco a Little Italy, fiambre, e o que mais for necessário para me banquetear com um belo pequeno almoço continental de meia de leite improvisada, sumo de laranja, queijos, manteiga, pão fresco e estaladiço, compota talvez, e um donnut ou outra doçaria local mais raramente. Um hábito delicioso.

Há hábitos que não chateiam, há uns que de tão deliciosos até era um crime não serem um hábito, e há hábitos que são preocupantes. Eu sou um adepto das novas tecnologias em geral. Estou sempre pronto a experimentar. Uso computador, playstation, televisão, dvd, telemóvel, tudo com a sua moderação e tino, e obrigatoriamente sem afectar as relações pessoais e intransmissíveis que tanto prezo. Mas estas máquinas também criam hábitos, e alguns até me preocupam um bocadinho. Hoje, depois de passar meia manhã ao computador no trabalho a ler sites e documentos, sento-me por momentos a ler uns papéis na minha secretária. Síndrome já de si alarmante, mantive a mão direita no rato do portátil, como se a minha mão precisasse do amparo e do calor deste vulgar intrumento informático. É um hábito. Continuo a ler o documento descontraidamente, até que me aproximo do fim da página, e num acto reflexo o meu dedo indicador move-se ágil e determinado rodando o “scroll” do rato na tentativa de mover o papel que se encontrava na minha mesa, e assim passar para a página seguinte, como se de um documento Word se tratasse, ou um site de Internet talvez. Nada aconteceu e eu acordei do meu estado larvar, passando a estabelecer então um juízo antes de dar ordens aos meus membros, não deixando o reflexo condicionado tomar conta de mim. Sinto-me absorvido pela era digital. Mas isto é demais! Já me tinha acontecido, numa altura em que jogava bastante Pro Evolution Soccer, que ao ver jogos de futebol na televisão procurava o nome dos jogadores nos cantos inferiores do ecrã ou esperava ver a habitual barra amarela para contabilizar a potência dos remates dos jogadores. Não é isto já um pouco demais? É nestas alturas que nos pomos questões profundas e existenciais sobre a relação máquina – Homem, nos interrogamos sobre quem comanda quem, quem formata quem, e foi nesse exercício de indignação que 5 minutos depois vim para o computador escrever este texto neste programa que insiste em me corrigir, não só a ortografia, mas tem a lata também de me corrigir a gramática e a construção frásica. Cinco minutos depois da ocorrência volto ao local do crime. Já não posso viver sem estas máquinas. Não é hábito. É mesmo dependência. Homo@sapiens.com, ou a versão binária do Homem.

quinta-feira, outubro 13, 2005

Parabéns atrasados

Oh rapaz, muitos parabéns. Devo-te no entanto lembrar que apartir de agora é sempre a cair. :-)

E que tal contribuírem...

Andava eu a chorar o luto do filhote, quando me propuseram ter um papel activo na comunidade. Tentei-me baldar, disse que não podia, porque não tenho antecedentes criminais e é complicado ter a atenção de toda uma comunidade se antes não tiver sido ouvido pela PJ. Não por me faltar a voz, mas imagino, a ouvir o discurso do valentão na noite de domingo, por me faltar alcance das cordas vocais devido a protése que a judiciária deve colocar na garganta de todos os arguidos. Tentei ainda justificar a minha relutância com o facto da minha experiência em termos associativos ser -1 e que de cultura apenas sei a definição. Não aceitaram as justificações, e puseram-me o berbicacho nas mãos, ainda por cima numa pequena vila onde as pessoas se interessam pouco por ela. Lá é mais copos, saias, carros e futebol.
Como, penso, que a cultura é do povo e para o povo e como as ideias ainda não estão formadas gostava que me ajudassem. Como acham que se consegue reverter esta falta de interesse? E que iniciativas acham podiam fazer com que as pessoas aderissem? Já agora, que bons exemplos conhecem neste país? Se puderem perder um bocado de tempo e dar uns conselhos, deixar uns links na caixa de comentários ou aqui no mail do inculto (transpose@iol.pt) ficaria muito agradecido.

Pai tirano

Quando se tem mais que um filho devemos como bons pais tratá-los da mesma forma e dar-lhes o mesmo carinho, caso contrário, as consequências podem ser dramáticas e tornar um família feliz, num conjunto de almas perdidas que se levantam às cinco da manhã para conseguir umas receitas de Xanax no centro de saúde mais próximo.
Escrevo isto, não por ter aprendido na escola ou visto algum Júlio Machado Vaz que se dedique a temas mais familiares, mas porque nestas últimas semanas vivi todas estas experiências, dramas e horrores. Posso dizer que me tornei uma pessoa melhor e que como pai nunca mais cometerei o mesmo erro.
O meu filhinho nasceu e eu como bom pai dei-lhe toda a atenção do mundo pensando que o mais velho, já com seis anitos, compreenderia.
Era comprar ao junior roupas novas, dar-lhe as ultimas vacinas, dar-lhe a conhecer os sons da moda, enquanto ao mais velho dava-lhe um olá e e umas informações para ele guardar. O petiz, pouco habituado a este distanciamento, ao fim de dois dias fartou-se, e sem uma tentativa frustada de suícidio, que normalmente serve para chamar à atenção de que precisa de carinho e atenção, cometeu o harakiri. Simplesmente esturricou a mioleira toda, não tendo a hombridade de deixar uma carta de suícidio, ao menos para se despedir. Claro que quem fez dois filhos, faz três mas ao menos podia-me ter dito onde deixava as informações que eu lhe dava para guardar. Eram cartas, trabalhos, filmes, pornografia de grande qualidade, música, contactos de sitios que gostava de visitar constantemente, tudo e mais alguma coisa... perdida para sempre naquela cabeça que espero, ao menos, tenha ido para um lugar melhor. Tinha tantos planos para ele. Já o estava a imaginar, agora com a chegado do júnior, a trabalhar em exclusivo para uma firma de importação-exportação chamada Koizo, mas assim não aconteceu é a vida. Agora, pelo sim pelo não, de três em três meses vou passar a levar o júnior ao médico para lhe fazer checks ups à moina de modo a que suícidios, pelo menos, à cabeça nunca mais aconteçam. É que um pai prevenido vale por dois.

segunda-feira, outubro 10, 2005

O País Que Temos ... Só Tens Aquilo Que Mereces ...

O comentário que me merecem estas eleições é que o país merece aquilo que lhe tem vindo a acontecer.

Que um país tenha gente corrupta, truculenta e vigarista é completamente aceitável. Isso há em todos os países. Que essas pessoas cheguem a políticos e a cargos de responsabilidade também se tolera. Afinal vivemos numa democracia e há de tudo em todas as profissões. Agora, que esses políticos sejam desmascarados e acusados segundo o sistema legal nacional, que tenham ainda assim a cara de pau de se candidatarem a um cargo público do qual há suspeitas de se terem aproveitado em actos ilícitos, e que, e agora vem o pior, o povo os volte a eleger, isso já não é normal. Elegê-los ao engano pela primeira vez não constitui vergonha nenhuma. Agora voltar a elegê-los depois depois de conhecidos factos que no mínimo levantam graves suspeitas sobre eles já é inacreditável. Em qualquer conversa de café se houve o povo queixar-se dos políticos, que são corruptos, que roubam, que fazem trinta por uma linha. Mas quando chega a altura de julgar o corrupto da terra é dada a absolvição e a benção para mais 4 anos de "cowboyada". O que parece acontecer é que, os políticos são uma merda porque são corruptos, mas o que "rouba para a nossa terra é bem vindo, nem que meta algum ao bolso, o que afinal até é merecido porque é para o nosso bem e desafia os ladrões arrogantes de Lisboa". E notemos que nem é um problema de educação ou de população mal informada. Os casos em causa são ultra mediatizados, e se Felgueiras ou Gondomar podem até ter uma considerável franja da população menos favorecida pela educação, já Oeiras é um concelho com um nível muito diferente, pertencendo a uma classe média alta, e que por isso poderia reger-se por outros valores. Mas não! É esta a nossa cultura, e é por ela que o país paga a cada dia que passa. A permissividade para com esta gente, como se de Robins dos Bosques se tratassem, injustiçados ás malhas da tirania alfacinha, é perfeitamente inacreditável. Parece haver uma espécie de identificação, porque afinal quase toda a gente mente um bocadinho. Ou são os rendimentos omitidos para pagar menos IRS e beneficiar do abono escolar, ou é o chapeiro que faz o jeito e nem leva IVA por aquela amolgadela que o filho fez no BMW e que era uma despesa que agora que entra o Natal até nem dava jeito nenhum, ou são os projectos de modernização da fábrica que se fazem para beneficiar do subsídio e que depois até nem é bem assim e metade vai para a moradia em Moledo mais um bocado para o Jipe e com o resto compram-se umas máquinas usadas que vêm de França a preço de amigo... e por aí fora num sem número de esquemas, negócios e truques que minam todo o sistema económico e social português. Por tudo isto, um povo que elege esta gente merece ser roubado, merece que lhe tirem previlégios, pede para ser enganado, merece lutar por sobreviver num dos países mais atrasados da Europa, enquanto uma corja de oportunistas se banqueteia com o dinheiro do país e da Europa. Não nos podemos queixar nem admirar se somos nós próprios a escolher a nossa sorte.

terça-feira, outubro 04, 2005

QOTSA & NIN @ SD - CA

No último dia 16 mais um acontecimento cultural em San Diego. Um concerto. Não um concerto qualquer. Um grande concerto! Duas bandas vibrantes, geniais, embora de maneiras completamente diferentes. Primeira banda a tocar: Queens of The Stone Age. E para fechar, os cabeças de cartaz: Nine Inch Nails. Até há pouco tempo, ver os Nine Inch Nails ao vivo era algo que ousava apenas sonhar. Nunca foram a Portugal, e nem os vejo a fazer grandes digressões pela Europa. Andaram também mais adormecidos como banda nos últimos anos, com o Trent Reznor a enveredar por outros caminhos, como a composição de bandas sonoras e colaborações com outros artistas. Este ano os NIN lançaram um álbum finalmente. E que álbum! Está ao nível do melhor dos NIN. Já os vi em Abril, no deserto de Coachella, mas foi num festival com milhares de pessoas, e a envolvência que é preciso para um concerto dos NIN não foi alcançada, para além de eu estar bem longe do palco. Foi no entanto um grande concerto. Agora o ambiente mais íntimo de um recinto fechado, o Cox Arena, onde as ondas de choque das explosões sonoras dos NIN não podem escapar, tal como os pequenos pormenores harmónicos, quase subliminares, não se perdem na imensidão espacial de um espaço aberto. Prometia. E para abrir o apetite, os Queens of The Stone Age, essa grande banda de rock, agressiva e crua, mas criativa e empolgante, uma das melhores bandas de rock dos últimos anos.

Os QOTSA deram um excelente concerto. No entanto, a tribo urbana que se deslocou ao Cox Arena era maioritariamente seguidora dos NIN, e a adesão ao concerto não foi a melhor. O vocalista e baixista dos QOTSA ainda se pegou com um ou outro elemento do público que o insultou, dirigindo-lhes umas palavras contundentes e irónicas. Noutras ocasiões sublinhou que era alcoólico, e lamentou-se que não houvesse acesso a álcool no recinto. É verdade… Não se vendia cerveja no concerto. Devia ser um concerto de risco para a mente retrógrada desta gente, só porque se ia juntar no mesmo sítio tanta gente diferente do padrão. E realmente o ambiente era bem diferente do que alguma vez tinha visto em San Diego, e quase que arrisco a dizer nos EUA. Uma espécie de neo góticos e cyber punks que nunca me tinham aparecido à frente nesta cidade. Devem viver num gueto, orstracizados desta sociedade tão hipocritamente tolerante. Mas gostei bastante dos QOTSA, apesar da pobreza do palco e das luzes. E a seguir os NIN. Fabulosa a entrada. Som envolvente, uma tela translúcida separava os NIN do público, e dentro dela luzes e fumo davam corpo ao ambiente. Seguiu-se uma música do novo albúm, e depois um deambular pelas grandes músicas de NIN. Terrible Lies poderosa, Closer provocante, March of the Pigs frenética, e por aí fora em obras primas de música moderna acompanhadas de uma excelente luz e composição cénica. Mas, com o concerto ao rubro, a tela translúcida volta a fechar-se e prepara-se a entrada de uma nova música. Aos poucos os instrumentos começam a parar, assim como as luzes perdem vida. Se estivesse no teatro adivinhava o intervalo. É então que se ouve um voz off a dizer que tinham uma pequena emergência médica no palco e que esperavam voltar em pouco minutos depois de esta estar resolvida. Bem, a última música tinha sido frenética, com os elementos da banda a correrem de um lado para o outro, aos saltos com os instrumentos! Alguém se pode ter magoado… O tempo passa, a adrenalina do concerto vai-se perdendo. Estava a ser tão bom! Tão vibrante! Tão NIN! Aparece então o Trent Reznor a dizer que o Jerome, que mais tarde vim a saber ser o baterista, tinha sentido dores no peito e palpitações no coração e ficou asustado, estando a ser assistido e examinado pelos paramédicos presentes no recinto. Estavam todos muito “freaked out” com a situação, e esperavam voltar ao palco brevemente porque ele estava melhor. Mais uns 15 ou 20 minutos e veio a confirmação: concerto adiado! O moço teve que ir ao hospital fazer exames mais detalhados, e não há concerto para ninguém. A boa notícia é que vou vê-los outra vez com o mesmo bilhete a 20 de Novembro. O azarado nisto tudo foi o Chico, que como eu é um fã dos NIN e teve sorte de eles cá tocarem na altura em que ele me veio visitar, e acabou por só ver meio concerto. De qualquer forma… que bom meio concerto! Valia a pena nem que fosse só por aquilo. Fico então à espera de 20 de Novembro.


Trent Reznor e os NIN em San Diego. Posted by Picasa