É hora de fazer um pequeno balanço deste Mundial de Futebol. Eu sou um apaixonado pelo futebol, e para mim um Mundial é sempre uma celebração onde podemos deliciar-nos com combates entre diferentes estilos, o futebol físico, o futebol técnico, o futebol táctico, o futebol de ataque, o de contra-ataque, o futebol de contenção, enfim, uma mescla de estilos que muitas vezes reflectem todo o espírito de um povo. Mas para quem gosta realmente de futebol este Mundial foi uma boa treta, e esqueçamos por momentos nesta análise a magnífica prestação de Portugal. O último bom mundial que me recordo com precisão foi há 12 anos nos EUA. Houve futebol de ataque, houve surpresas, houve emoção, jogos com golos, alternância no marcador, simplesmente houve futebol. O de França foi pouco interessante, e Coreia-Japão foi simplesmente desconcertante, com as principais equipas a baquearem e com jogos sofríveis, apesar de algumas surpresas interessantes como o Senegal, a Turquia, a Coreia e os EUA.
Nos EUA tivemos uma Roménia harmoniosa a jogar ao ataque e a desafiar as grandes selecções, como aquele grande jogo contra a Argentina. Tivemos também uma Bulgária que chegou ás meias-finais com excelentes prestações. Lembro-me particularmente do jogo em que eliminaram a Alemanha com um golo fantástico de Stoitchkov e outro de Letchkov. A Suécia terceira classificada fez também um grande torneio, mas outras equipas, que não chegaram tão longe, deram espectáculo e pregaram-nos ao televisor de madrugada, como a Nigéria, o Brasil, a Itália de Baggio, ou a Argentina ainda de Maradona.
Este Mundial de 2006 fica marcado pelo futebol de contenção, cínico e medroso, quase cobarde. Não houve uma equipa que se destacasse por jogar descomplexada para a frente. Só talvez o Gana, que a jogar ao ataque e com alguma ingenuidade, inerente ao facto de ser estreante e de África ainda se divertir com o futebol, encostou o Brasil ás cordas e baqueou com um golo em fora de jogo e com estocadas cruéis de lampejos de qualidade de um Brasil pobre. A Itália, estranhamente, até nem está tão defensiva como o costume. Foi, para mim desde o início, das equipas mais consistentes. Mantém uma estrutura sólida e faz uso da sua solidez defensiva. É genético. Não se pode ficar chateado por a Itália jogar na contenção e à espreita do erro adversário. Mas joga um futebol esteticamente interessante, dentro do género, e tem um grupo de jogadores fabulosos. Este Mundial a Itália não se limitou a defender, e podemos ver que não fez a sua habitual sequência de 1-0 que a costuma caracterizar. Contra a Alemanha, depois de assegurar que as suas redes se mantinham invioláveis, a Itália foi quem mais procurou a vitória, acabando o jogo a jogar com 4 avançados: Gilardino, Del Piero, Iaquinta e Totti; e dois médios, Pilro e Gattuso. Poucas equipas vi meter em campo quatro jogadores ao mesmo tempo com estas características. Mas se podemos esperar que a Itália aposte na contenção, afinal a linhagem genética do seu futebol, já ficamos desiludidos por ver uma Argentina, sempre a minha segunda selecção, a defender um escasso 1-0 a quase meia hora do fim do jogo. Com essa atitude perdeu a Argentina e perdeu o futebol. Se vemos uma selecção que tem Messi, Crespo, Tevez, Saviola, Cruz, Aimar, e outros jogadores de apreciáveis características ofensivas a defender um resultado, percebemos que não vamos ver futebol de ataque em lado algum.
A Alemanha, por sua vez, foi uma boa surpresa. Tem algumas limitações de plantel, mas Klinsman conseguiu pôr a equipa a jogar o melhor futebol da Alemanha nos últimos 20 anos. Acabou aquele futebol mecânico e chato. Agora a Alemanha tem mais nervo e mais criatividade, e uma grande dupla de avançados, que não se comparam a aquilo que Klinsman foi, mas que são eficazes e complementares. Uma palavra também para o Brasil, que mais uma vez desiludiu. E digo mais uma vez porque, para mim o Brasil tem desiludido sempre, apesar dos títulos de 94 e 2002. O Brasil decidiu continentalizar o seu futebol e desde 94 que apostou no futebol calculista e expectante. Como resultou na altura, não mais deixou essa cautela que tão mal fica aos artistas que o Brasil tem. Nos últimos 25 anos o Brasil ganhou o Mundial em 94 e 2002, mas o Brasil que todos lembram com saudade é o de 82, o Brasil de Sócrates, Falcão, Zico, Cerezo e companhia. Isto é uma prova que a história não lembra só os vencedores, como muitos fazem questão de dizer para justificar as suas tácticas ultra defensivas. E que dizer desta França? Principalmente nós, que bebemos do seu cruel veneno. Vale-se da defesa e pouco se mexe em campo. 8 jogadores defensivos, e um Zidane para colocar a bola na velocidade de Henry ou Ribery. Uma França triste que está na final. E é isto que chateia. É que o futebol defensivo vai ganhando. O espectáculo que o Portugal-França nos proporcionou na quarta-feira foi enfadonho, chato, feio e triste. Principal culpa desta França que começou a perder tempo desde o seu golo à meia hora da primeira parte, e que se limitou a defender sem sequer espreitar o contra-ataque. Nem a Itália joga assim. E depois, a Itália tem estilo a defender. Não defende ao acaso nem à bruta. É antes um harmónico que compacta e estica harmoniosamente consoante as necessidades. Tivemos ainda uma República Checa e uma Suécia bastante abaixo do que já mostraram, uma Inglaterra com força e bons jogadores, mas também subvertida à lei defensiva trazida por Ericson de Itália, e uma Espanha que muito prometeu, mas que como sempre falhou. Resumindo, este Mundial foi o confirmar de um futebol que é cada vez mais calculista e defensivo. Com tantos talentos a despontar no futebol mundial, os jogadores que fazem do futebol uma festa, os treinadores preferem sacrificar o talento à certeza de um 0-0. É uma tendência que já se nota há uns anos também nos clubes, principalmente na Europa. É triste. Resta-nos os fugazes rasgos de génio de um C. Ronaldo, de um Deco, de um Messi, de um Ronaldinho, de um Quaresma, que indo contra a rigidez táctica dos treinadores ainda conseguem animar o jogo e dar um pouco de esperança a quem ama este espectáculo.