Os abutres estão à solta. Sobrevoam Gondomar ao cheiro de um Pinto gorducho, um banquete que anseiam há mais de uma década. As televisões estão a postos há meses. Algum dia teria que ser. A ânsia de sangue, a avidez de podridão, altera os sentido jornalísticos, e eis senão quando se ouvem meias verdades, imprecisões. É esta a magia dos directos. Dizem-se coisas no calor do momento, não há lugar nem tempo à confirmação, e no próximo directo tudo é esquecido.
Num directo de uma televisão a anunciar a presença de Pinto da Costa no Tribunal de Gondomar (nos cafés, um meio de informação paralela, já todos diziam que ele estaria no Brasil já fugido da sua anunciada desgraça), é anunciado que Pinto da Costa irá responder perante três casos de tráfico de influências relacionado com situações disciplinares, e não com arbitragens. Tráfico de influências é efectivamente um crime, mas muito diferente de corrupção activa como minutos depois foi anunciado pelo apresentador nos estúdios de Lisboa. O anúncio num trabalho gráfico de reportagem dessa acusação e a colagem da personagem aos árbitros entretanto também detidos não é inocente. A questão é que não é isso que se está a passar, pelo menos para já. Não sei os desenvolvimentos que o caso irá ter nos próximos dias, mas neste momento estamos a falar de suspeita de tráfico de influências em matérias disciplinares.
Quem tem alguma atenção, e nem é preciso muita, ao fenómeno do futebol português, e sabe pensar para além da paixão clubística, sabe reconhecer que a nível da Comissão Disciplinar da Liga de Clubes o FC Porto é altamente prejudicado de há uns anos a esta parte. E só para dar um exemplo recente, veja-se a suspensão por 15 dias do Treinador do FC Porto por gritar “Isto é falta” no decorrer de um jogo da superliga. Foi absurdo, ridículo, e reconhecidamente por toda a imprensa como inadequado, estúpido e de um rigor suspeito e inédito. E tem sido assim, sempre com pesos diferentes, consoante se trate de um jogador dragão ou de outro qualquer da superliga. Pelo que eu sei, e foi dito na televisão, uma das situações foi sobre a suspensão do Deco quando este foi expulso no jogo com o Boavista. Nesse jogo, Deco jogou a bola com o pé descalço, sendo-lhe exibido o cartão amarelo e o posterior vermelho por acumulação. Nada a dizer, está de acordo com os regulamentos apesar de ser uma medida demasiado zelosa. Na sequência do lance, Deco irritado pega na chuteira, mostra-a ao árbitro falando com ele, e atira bota para o chão numa atitude irascível, mas nunca tentando atingir quem quer que fosse. Claro que na altura demonizou-se a acção do jogador, dizendo que foi uma tentativa de agressão clara ao árbitro. Objectivo? Conseguir mais que um jogo de suspensão para o Deco, de modo a que ele não pudesse defrontar o Benfica duas jornadas a seguir. Esta campanha foi bem sucedida, pelo que o jogador levou 2 jogos de suspensão. Depois de recurso a pena foi diminuída. Parece que Pinto da Costa telefonou ao Presidente da Liga para pedir satisfações e interceder pelos interesses do clube. É provável que, consoante o conteúdo da conversa, isto possa ser considerado tráfico de influências, mas é muito diferente de corrupção activa, um crime muito mais grave. Devo também dizer que, ao referir-se a este incidente, a jornalista da RTP disse deliberadamente e com todas as letras que nesse jogo “Deco agrediu com a bota o árbitro da partida”. Uma mentira enorme e que faz toda a diferença. Eu não sou especialista em direito, nem nada que se pareça, mas se por exemplo for provado pelos regulamentos e análise da situação que a redução da pena de Deco foi justa e legal, a conversa de Pinto da Costa com o Presidente da Liga é considerada também trafico de influências? Não sei responder, pode ser que algum de vocês o possa fazer. E gostava também de saber se não é prática de muitos presidentes e membros de SAD’s terem contacto semanal com membros da Liga de Clubes. Eles conhecem-se todos! Se calhar tiveram sorte de as conversas deles não terem sido ouvidas e de não serem presidentes do FC Porto. Vamos ver como isto se desenvolve, sabendo que os abutres esfregam as asas de contentes por finalmente puderem dar azo ao bico venenoso para esventrar o Pinto e o Dragão.
Não quero defender o Presidente do FC Porto dos crimes que ele possa ter cometido. Se os cometeu tem que pagar por isso como qualquer um. Mas há que ser correcto e chamar as coisas pelos nomes, e a comunicação social tem um papel determinante nesse aspecto, e uma enorme responsabilidade. A imprecisão e as meias verdades são também puníveis criminalmente, e são para mim um tráfico de influência de massas, a influência da opinião pública. Mas esse é um crime raramente punido em Portugal. Não esquecer que já muitos jornalistas e jornais foram processados pelo FC Porto e por Pinto da Costa por palavras desapropriadas e notícias falaciosas, e sempre com sucesso. Sem querer justificar o acto, devo dizer que o tráfico de influências deve ser o crime mais cometido em Portugal, e por todos os Portugueses. O telefonar ao médico amigo para o pôr à frente numa lista de espera, o falar com fulano para conseguir determinado emprego ou concurso público, o meter amigos em posições que nos são favoráveis em determinadas instituições. É claro que depende sempre do nível de interesses por trás das situações, mas a fronteira entre o crime e a legalidade é estreita, sendo que mais uma vez evoco a minha ignorância jurídica, pois não sei a exacta designação legal para este crime. Esperemos pelo desenvolvimento da situação, sendo que se as acusações forem estas duvido que os abutres tirem a barriga de misérias.